NR-01 é atualizada para incluir riscos psicossociais

Em 30 de julho de 2024, uma reunião extraordinária da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) resultou em mudanças significativas na regulamentação e segurança no ambiente de trabalho. Um dos maiores avanços é a inclusão de critérios para gerenciarem os riscos ocupacionais com foco na proteção da saúde mental dos colaboradores, no Capítulo 1.5 da Norma Regulamentadora (NR-01), que trata do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR).

Os riscos incluem alguns fatores como assédio moral e sexual no ambiente laboral, os quais se tornam parte integral das normas de segurança de trabalho, uma vez que são os maiores causadores de adoecimento de cunho psicossocial entre os empregados, sobretudo após o período pandêmico. Além do assédio, fatores como excesso de estresse, sobrecarga de trabalho, pressão, exigência e liderança abusiva também são elencados como causadores de danos psicossociais.

Rogério Araújo, secretário de Inspeção do Trabalho substituto do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), explicou que “A atualização é crucial. As empresas precisarão gerenciar os ambientes de trabalho para evitar o adoecimento mental dos trabalhadores. O objetivo é prevenir a sobrecarga de trabalho e promover um ambiente saudável, livre de assédio e violência.”.

Diante do aumento progressivo de ocorrência de danos psicossociais aos empregados, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), resultando em um grande aumento de afastamento das atividades laborativas pelos trabalhadores, as empresas precisarão adotar práticas que abranjam o adoecimento mental dos colaboradores, através da criação de políticas e programas de apoio psicológico e de prevenção ao assédio.

Na prática, as empresas deverão identificar e administrar os riscos através de relatórios de gerenciamento, elaborados periodicamente, em atenção às exigências de segurança do trabalho. A documentação apropriada é determinante para a identificação de problemas e verificação da necessidade de implementação das medidas necessárias e eficazes. A atualização da NR-01 também prevê a obrigatoriedade de disponibilização dos relatórios para fiscalização pela Inspeção do trabalho, representação dos trabalhadores ou outros agentes de fiscalização de segurança do trabalho.

A vigência das novas regras inicia nove meses após a publicação oficial da norma, esse período é destinado para que as empresas se familiarizem e viabilizem a implementação das mudanças. Durante esse espaço de vacância, os empregadores devem avaliar a cultura de sua empresa, revisar as políticas de gestão, identificar a formação da equipe de saúde ocupacional, capacitar a equipe já existente e/ou que for constituída, além de pesquisarem os riscos psicossociais e quais fatores os acarretam. Todas as medidas preliminares resultarão em uma formação de política interna mais eficaz e que atenda à necessidade da empresa.

Por: Ana Letícia Franco

STJ julga Tema 1153 e afasta possibilidade de penhora de verbas remuneratórias para pagamento de honorários advocatícios

Diante da multiplicidade de entendimento nos Tribunais Pátrios e do expressivo número de processos que trazem a controvérsia quanto à possibilidade de penhora de salários, remunerações e aposentadorias em sede de cumprimento de sentença de verba advocatícia sucumbencial, o Superior Tribunal de Justiça discorreu se os honorários advocatícios de sucumbência, em virtude da sua natureza alimentar, inserem-se ou não na exceção prevista no § 2º do art. 833 do Código de Processo Civil (hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia).

Nesse sentido, em recente decisão colegiada disponibilizada em junho de 2024, o Tema 1153 foi julgado para consolidar o o entendimento de que a honorários advocatícios sucumbenciais não se enquadram na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC.

O dispositivo legal enfrentado autoriza a penhora de salários, remunerações e aposentadorias para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem. Para solucionar a controvérsia instaurada, o STJ partiu da diferenciação entre as expressões “natureza alimentar” e “prestação alimentícia”.

Em que pese o §14 do art. 85 do CPC especificar que os honorários advocatícios têm natureza alimentar, a Corte Superior a diferenciou da prestação alimentícia, entre outros aspectos, por não possuir periodicidade, rememorando voto da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp n. 1.815.055/SP: “(…) uma verba tem natureza alimentar quando é destinada para a subsistência de quem a recebe e de sua família, mas só é prestação alimentícia aquela devida por quem possui a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles efetivamente necessita“.

Junto a isso, o STJ grifou que a interpretação da exceção processual mencionada deve se ater ao que mais se harmoniza ao ordenamento jurídico brasileiro e ao objetivo do legislador, não podendo tornar regra o que fora reservado apenas para situações extremas em que haja o risco quanto a subsistência.

A coerência do entendimento destacado se fortalece ao se observar que a prestação alimentícia possui caráter especial e benefícios exclusivos na dinâmica do Processo Civil Brasileiro, gozando, inclusive de capítulos próprios tanto no que tange ao cumprimento de sentença quanto à execução, não podendo se confundir com a natureza alimentar da verba honorária.

Porém, em sentido oposto, é importante trazer à baila que o próprio Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado a regra da impenhorabilidade de salários, vencimentos e proventos prevista no art. 833, IV, do CPC para créditos não alimentares, como se extrai do trecho destacado: “Admite-se a relativização da regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial, independentemente da natureza da dívida a ser paga e do valor recebido pelo devedor, condicionada, apenas, a que a medida constritiva não comprometa a subsistência digna do devedor e de sua família” (STJ – EREsp: 1874222 DF 2020/0112194-8, Relator: JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 19/04/2023, CE – CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 24/05/2023).


Por: Mayara Morais

Ações de cobrança regressivas acidentárias: um mecanismo do INSS que tem causado impacto financeiro contra empregadores

A legislação previdenciária que regulamenta os requisitos e processamento dos benefícios em espécie, prevê a possibilidade de ajuizamento de ações regressivas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra agentes responsáveis pela concessão de benefícios de caráter acidentário ou de violência doméstica.

O intuito é ter ressarcido aos cofres públicos o montante gasto com benefícios cujo os responsáveis, os quais deram causa à concessão, são identificáveis. A medida tem sido tomada, sobretudo, diante da eminência de um colapso previdenciário avistado por especialistas que mencionam, inclusive, a necessidade de uma nova Reforma da Previdência.

Além do objetivo punitivista e indenizatório ao erário, essas ações também possuem caráter pedagógico, a fim de reafirmar para os empregadores a necessidade de observância e cumprimento das regras de segurança de trabalho e demonstrar os impactos financeiros de seu descumprimento. Nesse sentido, o subprocurador-geral Federal de Cobrança e Recuperação de Créditos, Fábio Munhoz, pontuou: Nossa atuação vem melhorando a cada ano, mas o objetivo principal nesse caso não é o arrecadatório, mas sim o pedagógico. É mostrar para as empresas que vale muito mais a pena cumprir as leis e as normas regulamentadoras, para evitar acidentes de trabalho, do que sofrer depois as ações regressivas.

Os benefícios previdenciários de caráter acidentário podem ser pagos diretamente ao segurado empregado (auxílio por incapacidade temporária acidentário, aposentadoria por incapacidade permanente acidentária e auxílio-acidente) ou aos seus dependentes, como no caso da pensão por morte acidentária.

O INSS tem aumentado significativamente o ingresso dessas ações a partir da criação da Equipe Especializada em Ações Regressivas da Procuradoria-Geral Federal (PGF), desde 2016 já foram 2.494 ações ajuizadas, possibilitando o ressarcimento de R$ 410 milhões ao INSS.

Ao longo de 2023, R$ 66 milhões foram indenizados aos cofres públicos, por empregadores, devido à gastos do INSS com pagamento de benefícios oriundos de acidentes do trabalho. O valor revela um aumento de 10% quando comparado ao montante obtido com as ações no ano anterior, além disso, a taxa de êxito da AGU no referido ano foi de aproximadamente 80%.

Em 2024, o INSS já obteve o ressarcimento de R$ 16 milhões. Em abril desse ano, 73 novas ações já foram ajuizadas.

Apesar do ajuizamento e êxito crescente do INSS, o ressarcimento ao erário está intrinsecamente ligado à culpa do empregador por inobservância e descumprimento das normas de segurança de trabalho. Uma vez comprovado que a empresa não teve culpa no acidente, esta fica desobrigada a indenizar a Previdência Social.

Ainda neste ano, a exemplo, a 10ª turma do TRF-1, por unanimidade, reconheceu a inexistência de culpa de empresa ré na ação proposta pelo INSS, em acidente de trabalho ocorrido com funcionário, de modo que, esta se desobrigou do dever de indenizar. A empresa comprovou ter fornecido EPIs, além do termo de responsabilização para trabalho em alturas e área de risco. Este último documento, assinado pelo trabalhador, atesta que ele recebeu orientações e se comprometeu a seguir os procedimentos de segurança. (Processo: 0033606-53.2011.4.01.3400)

Diante do comprometimento progressivo do orçamento público com a Previdência Social, os mecanismos de redução de gastos serão cada vez mais intensificados, o que justifica o aumento das ações de cobranças. Essa crescente demanda ratifica a importância de cumprimento das normas de segurança de trabalho não apenas por dever social de prevenção de acidentes aos trabalhadores, mas também como mecanismo de proteção financeira e prevenção das ações de cobrança propostas pelo INSS.


Por: Ana Letícia Franco

Publicado Decreto Nº 56.586/2024 que dispõe sobre o procedimento de dispensa eletrônica no Estado de Pernambuco

No último dia 09 de maio foi publicado decreto que regulamentou a dispensa eletrônica para a contratação de obras, bens e serviços, que trata o artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, no âmbito do Poder Executivo Estadual.

O normativo foi publicado sob a justificativa da necessidade de regulamentação dos procedimentos licitatórios internos no que tange à dispensa de licitação prevista na Lei Federal nº 14.133, bem como para instituir procedimento eletrônico com vistas a aperfeiçoar o controle administrativo e gerencial dessas contratações, conferindo maior celeridade e transparência, nas contratações realizadas pelo Poder Executivo do Estado de Pernambuco.

As dispensas deverão ser realizadas por meio de sistema eletrônico oficial, observando-se a segurança por meio de recursos de criptografia manutenção da integração com o Portal Nacional de Contratações Públicas – PNCP e com a Plataforma +Brasil.

Cumpre destacar que o artigo 6º do decreto dispõe sobre os documentos necessários para realização do procedimento da dispensa eletrônica.

Art. 6º O procedimento de dispensa eletrônica de que trata este decreto será instruído em sistema eletrônico oficial, no mínimo, com os seguintes documentos:

 I – solicitação de contratação, acompanhada do documento de formalização da demanda (DFD), quando for o caso;

II – estudo técnico preliminar (ETP) e análise de riscos, quando for o caso;

III – termo de referência (TR), projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso, em observância às disposições do Decreto nº 53.384, de 22 de agosto de 2022, ou do Decreto nº 54.884, de 20 de junho de 2023;

IV – minuta do termo de contrato ou de instrumento equivalente, bem como da ata de registro de preços, se for o caso;

V – ato de designação dos agentes públicos responsáveis;

VI – estimativa da despesa;

VII – previsão de recursos orçamentários compatíveis com o compromisso a ser assumido;

VIII – proposta final da pessoa física ou jurídica a ser contratada;

IX – razões de escolha do contratado, com base nas propostas recebidas;

X – comprovação de que a pessoa física ou jurídica a ser contratada preenche os requisitos de habilitação e qualificação mínima necessária; XI – justificativa do preço a ser contratado, nos termos do art. 14;

XII – parecer jurídico e pareceres técnicos, se for o caso, que demonstrem o atendimento dos requisitos exigidos; e XIII – autorização da autoridade competente.

Dessa forma, toda a administração pública no âmbito do Poder Executivo do Estado de Pernambuco, compreendendo os órgãos da Administração Pública direta, os fundos especiais, as fundações públicas e as autarquias deverão seguir os ritos procedimentais elencados no Decreto nº 56.586, de 8 de maio 2024.


Por: Camila Soares

Decisão do CNJ restringe o número de autorizados a constituir alienação fiduciária de imóveis através de instrumento particular

A alienação fiduciária é uma das garantias reais mais seguras, motivo pelo qual é amplamente adotada pelas instituições que fazem parte do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), bem como pelas Cooperativas de Crédito e pelas Administradoras de Consórcio de Imóveis. Entre particulares, também é viável, contudo, a sua formalização deve ser feita por meio de instrumento público.

Esse foi o entendimento adotado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 05 de junho de 2024, que modificou o Código de Normas Nacional, através do Provimento nº 172/2024, incluindo uma previsão explícita sobre o assunto. Antes dessa decisão definitiva do CNJ, havia divergências interpretativas entre os Estados. Em Minas Gerais, por exemplo, a alienação fiduciária entre particulares só poderia ser feita por meio escritura pública, enquanto em São Paulo era permitida por meio de instrumento particular.

Dessa forma, a possibilidade de formalizar a alienação fiduciária, por instrumento particular, passou a ser exclusiva para os participantes do SFI e do SFH, bem como para as Cooperativas de Crédito e para as Administradoras de Consórcio de Imóveis. Considerando que as exceções devem ser interpretadas de maneira restritiva, a regra geral é a utilização de escritura pública para transações imobiliárias que envolvam valores superiores a 30 salários mínimos.

A respeito desse tema, o CNJ já havia se pronunciado, em 09 de agosto de 2023, por meio do Procedimento de Controle Administrativo nº 0000145-56.2018.2.00.0000, afirmando que a lavratura de escritura pública é indispensável para a realização de alienações fiduciárias por organizações que não integram o SFI e o SFH.

Vale destacar que a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo (CGJ/SP), através do Provimento nº 21/2024, estabeleceu que no Estado, os contratos de alienação fiduciária celebrados por instrumento particular, antes da vigência do Provimento nº 172/2024 do CNJ, serão admitidos com força de escritura pública, mesmo que formalizados por particulares.

Em linhas gerais, portanto, a consequência mais relevante dessa decisão do CNJ é o aumento considerável dos custos associados às transações e operações garantidas por alienação fiduciária. Além disso, os procedimentos necessários para a lavratura e registro de escrituras públicas tendem a ser mais burocráticos e demorados, mas argumenta o CNJ que dada decisão traz mais segurança jurídica para o setor imobiliário, além da uniformização da prática entre os tribunais estaduais.

Confira na íntegra a decisão: CN-CNJ. Pedido de Providências n. 0008242-69.2023.2.00.0000, Relator Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão, julgada em 05/06/2024.

A importância do respeito ao sigilo médico

A responsabilidade pela quebra do sigilo médico decorre da importância da referida prática para a relação médico-paciente. É mais que um pilar fundamental para a prestação de qualquer serviço de saúde, mas também uma obrigação legal que todo profissional de saúde deve cumprir, aplicável a todas as informações obtidas em razão da função ou cargo que exerce.

No Código de Ética Médica, por exemplo, há um capítulo destinado exclusivamente ao tema do sigilo profissional, tamanha a sua importância, e no referido capítulo IX há a previsão expressa, no artigo 73, de que “é vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.

Inclusive resta consignado ainda no Código de Ética Médica e na Resolução nº 1.605/2000 do CFM que a proibição da disponibilização das informações permanece i) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; ii) quando for prestar depoimento como testemunha, tendo que declarar o seu impedimento ao Juízo; e, iii) na investigação de suspeita de crime, quando o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.

Assim, para que seja possível a disponibilização das informações com segurança, deve o profissional de saúde se certificar de que existe a autorização expressa do paciente, ou de seus responsáveis legais em caso de menor; ou, quando houver necessidade da notificação compulsória de doenças transmissíveis com a comunicação realizada exclusivamente à autoridade competente.

Decisões recentes sobre responsabilidade pela quebra do sigilo médico

Ademais, ratificando o que aqui se expõe, interessante citar as recentes decisões proferidas pelos tribunais pátrios, onde foi reconhecida a nulidade das provas obtidas em ofensa ao sigilo médico, veja-se:

  • Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus (RHC 181.907/MG) para trancar ação penal contra uma mulher acusada de tentativa de aborto diante das provas obtidas mediante quebra de sigilo profissional entre médico e paciente.
  • Há também decisões no Tribunal de Justiça de São Paulo e no Tribunal de Justiça de Santa Catarina no sentido de condenar o profissional de saúde ao pagamento de indenização por dano moral em razão da disponibilização indevida das informações da saúde do paciente.

Nesse cenário, fica clara a necessidade de todos os profissionais de saúde permanecerem vigilantes quanto ao cuidado com as informações obtidas em razão de sua atividade, atentando-se à responsabilidade pela quebra do sigilo médico e as consequências pela da sua inobservância, o que pode acarretar desde a responsabilidade civil ao pagamento de indenizações aos pacientes, como a denúncia aos Conselhos de Classe e ao Ministério Público, e aplicação de penas judiciais e administrativas.

TST valida uso de provas digitais de geolocalização para verificação de alegação de jornada extraordinária

Na última semana, a Subseção II Especializadas em Dissídios Individuais (SDI-II) proferiu decisão no sentido de deferir, por maioria, a utilização de prova digital de geolocalização no processo do trabalho em ações que versem sobre a realização (ou não) de jornada extraordinária.

A temática tem sido bastante discutida nos últimos anos por ser alvo de controvérsia em relação a sua violação (ou ausência dela) de princípios constitucionais ligados, principalmente, à privacidade e intimidade do empregado.

Contudo, é de se destacar que a partir da informatização do processo judicial, desde a implementação do PJE, bem como da sua brusca intensificação advinda da pandemia da COVID-19, a realidade processual no âmbito nacional vem sendo modificada, fazendo com que se torne ilógico que, com tantas mudanças, as relações trabalhistas e suas relativas regras estejam limitadas à interpretação dada pelo entendimento de legisladores contemporâneos da década de 40 de 80.

É incontestável a necessidade de que os preceitos Constitucionais e Trabalhistas grafados no século passado estejam alinhados à realidade contemporânea, na qual a utilização de mecanismo tecnológicos jamais se tornou algo intrínseco à realidade laboral da maior parte da população nacional. Assim, segundo o colegiado, a prova é adequada, necessária e proporcional e não viola o sigilo telemático e de comunicações garantido na Constituição Federal, sendo consubstancial a sua utilização em demandas que versem sobre a realização de jornada extraordinária.

A ação trabalhista que seu ensejo à brilhante decisão foi ajuizada em 2019 por um bancário que laborou na Banco Santander por 33 anos e pedia o pagamento de horas extras. Em sua defesa, o banco afirmou que empregado ocupava cargo de gerência e, portanto, não estava sujeito ao controle de jornada, sendo a prova digital de geolocalização imprescindível para demonstrar se de fato estava ao menos nas dependências da empresa.

A necessidade de sua utilização traz um arcabouço probatório mais robusto ao processo, visto que, conforme bem pontuado pelo Ministro Douglas Alencar Rodrigues, “a prova testemunhal sempre foi onerosa e permeável a mentiras e falsidade e a tecnologia auxilia a resolver conflitos e atingir a verdade”.

Ainda em primeiro grau, o juiz determinou que ele informasse o número de seu telefone e a identificação do aparelho (IMEI) para oficiar as operadoras de telefonia e, caso não o fizesse, seria aplicada a pena de confissão. O Tribunal Regional, por sua vez, cassou a decisão, mas, por maioria, o TST decidiu pela validade da utilização dos dados de geolocalização obtidos.

Em decisão, o Ministro reforçou a necessidade de “desenvolver sistemas e treinar magistrados no uso de tecnologias essenciais para a edificação de uma sociedade que cumpra a promessa constitucional de ser mais justa, para depois censurar a produção dessas mesmas provas, seria uma enorme incoerência”

O objetivo da utilização dessa prova no processo do trabalho apenas traz benefícios para demandas que tendem a ser exaustiva, ante a necessidade de, muitas vezes, ouvir-se as partes e testemunhas que trazem depoimentos conflitantes, recheados de pessoalidade e que, diante disso, apenas distanciam as decisões do objetivo real de um processo: a busca pela verdade real do fato.


Por: Pedro Rodrigues

TCU entende que o agente de contratação possui autonomia para desconsiderar lances inexequíveis durante disputa de preços em licitações

No último dia 15/05/2024, o Plenário do Tribunal de Contas da União proferiu o acórdão nº 948/2024 reconhecendo que em caso de identificação, de apresentação de lance manifestamente inexequível capaz de comprometer, restringir ou frustrar a competitividade do certame licitatório, pode o agente de contratação realizar, durante a disputa, a exclusão da oferta, a fim de manter a verdadeira disputa e na busca da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

O Acórdão possui como principal fundamento o artigo 21, §4º, da Instrução Normativa Seges/ME 73/2022, que dispõe:

Art. 21.  Iniciada a fase competitiva, observado o modo de disputa adotado no edital, nos termos do disposto no art. 22, os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico.

(…)

§ 4º O agente de contratação ou a comissão de contratação, quando o substituir, poderá, durante a disputa, como medida excepcional, excluir a proposta ou o lance que possa comprometer, restringir ou frustrar o caráter competitivo do processo licitatório, mediante comunicação eletrônica automática via sistema.

(Grifos acrescidos)

Por um lado, o reconhecimento é um excelente precedente para as empresas que precisam enfrentar a simulada concorrência de licitantes em sessões que possuem como finalidade tão somente “mergulhar” o preço da disputa e prejudicar a verdadeira concorrência. Todavia, analisando-se por outra ótica, deve-se ter cautela nesse poder conferido ao agente de contratação, pois em certas ocasiões pode existir margem para desconsiderações de ofertas que, apesar de serem à primeira vista inexequíveis, na prática, são plenamente exequíveis, como acontece em licitações que envolvem o uso de tecnologias na prestação do serviço.

Portanto, é importante estar atento a esta segunda hipótese, devendo o licitante estar sempre ciente da redação do artigo 59, §2º, da Lei 14.133/2021[1], que impõe a condição de o administrador público realizar diligências para aferir a exequibilidade da proposta, o que induz que a discricionariedade conferida pelo TCU somente ocorra em casos de relevante percepção, sob pena de prejudicar o acesso à melhor proposta por parte do ente público contratante.


[1] Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:

(…)

§ 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo

O Controle Jurisdicional dos Atos Administrativos Discricionários: Limites e Princípios Fundamentais observados no julgamento do AREsp 1.806.617/DF pelo STJ

O ato administrativo emanado pelo Estado através de seus representantes, tem como imediata finalidade criar, reconhecer, modificar, resguardar ou extinguir direitos dos seus administrados. Como exemplos práticos de atos administrativos produzidos pelo Estado temos a demissão de funcionários públicos, a inabilitação de candidato em concurso público, a concessão de alvará de construção ou até mesmo a cobrança de multas.

Diante desse contexto, ao examinar os tipos de atos praticados pela Administração Pública, observa-se a distinção entre dois tipos de atos: os atos vinculados e os atos discricionários, cada um com efeitos jurídicos específicos. Enquanto no ato vinculado não há margem de liberdade na tomada de decisões ou ações em situações concretas, uma vez que a lei estabelece os requisitos do ato, afastando a liberdade de análise do agente público, no ato discricionário, a escolha é feita com base nos critérios de conveniência e oportunidade do Administrador, visando selecionar a melhor alternativa em prol do interesse público, seguindo um critério de mérito. 

Todavia, em que pese a Constituição Federal de 1988 estabeleça que os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e autônomos para produzirem seus atos, admite-se interferência recíproca via controle externo, a fim de reprimir violações a princípios e abusos de poder.

Nesse cenário, é pertinente discorrer sobre a interpretação desenvolvida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a partir da análise do Agravo em Recurso Especial nº 1.806.617/DF. Segundo consta, o caso em questão envolveu a Administração Pública do Distrito Federal, que organizou um concurso público para o preenchimento de cargos de soldados. Entretanto, em determinado momento, um candidato, após ser aprovado nas fases iniciais, foi desclassificado na etapa de investigação social durante o Curso de Formação da Polícia.

Neste específico, o ato administrativo que impediu a participação do candidato na fase subsequente do certame ocorreu devido à menção, na ficha cadastral do candidato, do uso de drogas em 2011, quando o candidato tinha 19 anos de idade e estava envolvido em um processo criminal, que foi arquivado em 2012 devido à extinção da punibilidade. Logo, trata-se de um ato administrativo claramente descompassado da legalidade, uma vez que foi produzido sem observar a impessoalidade e o interesse público.

Diante desse contexto, ao analisar o caso, o STJ destacou que a discricionariedade administrativa não é imune ao controle judicial, especialmente diante da prática de atos que impliquem restrições a direitos dos administrados, como a eliminação de concurso público, cabendo à Justiça reapreciar os aspectos vinculados do ato administrativo, seja a sua competência, finalidade ou forma, bem como a razoabilidade e proporcionalidade.

Inclusive, ao determinar a reintegração do candidato ao concurso, o colegiado considerou, entre outras razões, o fato de o candidato já estar exercendo um cargo no serviço público, o longo período decorrido desde seu contato com entorpecentes e sua aprovação na investigação social em outro concurso para a carreira policial no Estado do Maranhão.

Ainda, na avaliação do relator, o ministro Og Fernandes, impedir o candidato de prosseguir no certame, além de revelar uma postura contraditória da administração – que reputa como inidôneo um candidato que já é integrante dos seus quadros – acaba por aplicar uma sanção de caráter perpétuo, cristalinamente ilegal no Ordenamento Jurídico Brasileiro, conforme previsão legal no art. 5º, inciso XLVII, b, da Constituição Federal de 1988, dado o grande lastro temporal entre o fato tido como desabonador e o momento da investigação social.

Assim, resta consignado, portanto, que o controle judicial dos atos administrativos, nas situações de flagrante ilegalidade, teratologia ou manifesta desproporcionalidade da sanção aplicada, é uma ferramenta essencial para a manutenção do Estado Democrático de Direito, proporcionando ao administrado a oportunidade de buscar a revisão do mérito administrativo quando o exercício da competência discricionária viola princípios constitucionais.


Por: João Leite

Decisão da 3ª Turma do TST valida cláusula coletiva que estipulava a compensação da gratificação de função de um bancário com horas extras reconhecidas em ação trabalhista

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho validou a cláusula coletiva que estipulava a compensação da gratificação de função de um bancário com horas extras reconhecidas em ação trabalhista. O colegiado afirmou que a gratificação possui caráter salarial e ajustes sobre essa parcela são admissíveis mediante convenção ou acordo coletivo.

Isso foi possível porque a cláusula 11ª da Convenção Coletiva de Trabalho dos Bancários (2018/2020 e 2020/2022) permitia que, em situações em que horas extras além da sétima e oitavas horas de trabalho fossem reconhecidas judicialmente, a gratificação de função poderia ser utilizada para compensar os valores devidos.

Essa compensação está prevista em Convenção Coletiva, negociada pelos Sindicatos dos Bancários, e a cláusula coletiva que instituiu a gratificação é expressa ao vedar sua cumulação com as horas extras a qualquer título.

A questão da validade da cláusula 11 das Convenções Coletivas dos Bancários vem sendo objeto de muitos debates na Justiça do Trabalho. A referida norma coletiva estabelece que os empregados bancários que recebem a gratificação de função devem ter uma jornada de trabalho de 8 horas diárias, dispondo, ainda, que, havendo decisão judicial que afaste o enquadramento de empregado na exceção prevista no § 2º do art. 224 da CLT, o valor devido relativo às horas extras e reflexos será integralmente deduzido/compensado com o valor da gratificação de função e reflexos pagos ao empregado.

O relator do Recurso de Revista interposto pelo trabalhador, Ministro José Roberto Pimenta, destacou que, conforme a Súmula 109 do TST, a compensação não é admitida, visto que a gratificação de função tem como finalidade remunerar a maior responsabilidade do cargo, e não o trabalho extraordinário realizado após a sexta hora.

Todavia, o Ministro recordou que o Supremo Tribunal Federal ratificou a constitucionalidade de acordos e convenções coletivas que restrinjam ou excluam direitos trabalhistas, desde que sejam respeitados os direitos absolutamente inegociáveis (Tema 1.046 de repercussão geral), validando a disposição normativa. Segundo o relator, o direito em questão não é considerado absolutamente inegociável e a compensação não implica na supressão de um direito garantido constitucionalmente. A decisão foi unânime.

É importante destacar que vários julgados já concluíram pela invalidade da regra, mantendo a aplicação da Súmula 109 do TST, porém, em sentido totalmente divergente, muitas outras decisões estão acolhendo a disposição normativa, com base na decisão do STF.


Por: Pedro Rodrigues