A importância de um programa de compliance

Por Ricardo Dalle

Recentemente, a espúria relação entre servidores públicos e gestores da iniciativa privada, eclodiu através dos escândalos do mensalão e da lava jato, em face do envolvimento de dirigentes de grandes empresas nacionais com políticos de diversos partidos. Em razão dessas desordens, bastante repreendidas pelas manifestações sociais de 2013, tornou-se necessário criar um marco na tentativa de moralizar as condutas nas corporações públicas bem como nas estruturas das empresas.

A lei anticorrupção, nº 12.846/13, trouxe uma perspectiva dessa mudança cultural, pois a partir de sua regulamentação, as pessoas jurídicas passaram a ser responsáveis objetivamente, nas esferas administrativa e civil, pela prática de atos contra a administração pública. Aliada à referida norma, cumpre destacar a necessidade de uma boa governança corporativa na estrutura das empresas, por meio de regras compiladas em políticas claras, elaboradas em código de conduta e de integridade, parte integrante de um programa de compliance.

Em virtude dessa realidade, novos critérios, como transparência, prestação de contas, responsabilização de gestores e da administração, passaram a ser adotados pelas empresas. Como exposto, a Lei Anticorrupção, também denominada Lei da Empresa Limpa, e o Decreto regulamentador, nº 8.420/15, representam o início de um movimento que traz importância significativa para o setor empresarial, tanto no trato com a Administração, quanto internamente, com a necessidade de uma própria regulação, através dos programas de integridade objetivos que trazem à tona uma nova concepção do direito empresarial.

Além de cumprir com o dever ético que deve imperar nas relações empresariais, a adoção de mecanismos eficientes de boa conduta, aliada à política de gestão de riscos, trazem também benefícios econômicos e vantagens competitivas. Relacionamento com instituições financeiras e empresas multinacionais, por exemplo, comumente incluem entre suas condicionantes a existência de padrões de governança corporativa, ou até mesmo de um programa de integridade. Ademais, a adoção de mecanismos satisfatórios de compliance, com a implementação de códigos de políticas claras, trazem reflexos positivos para a segurança de sócios, acionistas, clientes e funcionários. 

Legalmente também se pode afirmar que o funcionamento do programa de integridade é levado em consideração na apreciação da responsabilidade da empresa, atenuando a punição civil e administrativa da pessoa jurídica. Ainda na linha jurídica, a existência de um programa de compliance também dificulta possível desconsideração da personalidade jurídica em ação movida contra a empresa, uma vez que em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, os ministros entenderam que para haver a invasão do patrimônio dos sócios ou acionistas, deve ficar clara a prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, o que dificilmente ocorre em um ambiente corporativo bem regulado, pautado por padrões éticos e estruturado em procedimentos claros e lógicos.

Por fim, a mensagem que fica é que a transformação da cultura, voltada à existência de programa de integridade efetivo por parte da empresa, tem por objetivo mitigar as arbitrariedades e estimular a adoção de medidas efetivas para prevenir, detectar e remediar as condutas antiéticas.

Violência e venda de álcool nos estádios

Por Eduardo Coelho

O retorno das bebidas alcóolicas aos recintos esportivos de Pernambuco, veiculado pela Lei Estadual n° 15.709 do último dia 05 de janeiro, trouxe à tona a discussão sobre a violência nesses locais. Não é de hoje que esse mal é motivo de preocupação para a sociedade como um todo. Dentre os efeitos nefastos, vemos públicos medíocres e as famílias afastadas de tais eventos.

A cada lamentável episódio de selvageria, autoridades (Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público) anunciam medidas “enérgicas” contra as recorrentes barbáries a que infelizmente já nos acostumamos. Na verdade, não passa de um belo discurso aliado a medidas absolutamente inócuas.

Em 2009, por exemplo, a Lei Estadual n° 13.748 vedou a comercialização de bebidas alcóolicas em eventos esportivos em Pernambuco. Quase sete anos depois, as estatísticas não melhoraram (pelo contrário) e o discurso não passou de mera retórica. Ações, apenas as dos bandidos impunes, matando torcedor arremessando privada, promovendo arrastões, assaltos e terror nas ruas, hospitais e propriedades privadas.

Não se quer aqui fazer uma apologia ao álcool, tampouco negar seus muitos efeitos nocivos. A proibição como justificativa para resolver a questão da violência, considerando-o o único ou principal vilão, é protelar a resolução do tema, até que surjam mais vítimas para uma nova e vazia reflexão.

Vale analisar situação hooligans, notabilizados nos anos 80 e protagonistas de várias tragédias. Na Bélgica, trinta e nove torcedores do Juventus foram mortos pelos do Liverpool, gerando uma punição para os times ingleses, que ficaram cinco anos sem participar de competições internacionais. Destaca-se também a do estádio de Hillsborough, na final da Copa da Inglaterra: noventa e seis óbitos.

A reação das autoridades inglesas foi séria e passou por medidas simples. Uma vez identificado, o delinquente é banido do futebol por três a dez anos. Além disso, deve comparecer e permanecer na delegacia durante os jogos do seu time. Em jogos da seleção inglesa, é obrigado a entregar seu passaporte cinco dias antes da partida. Descumprida a norma, o cidadão é processado e certamente preso. Simples assim.

O consumo de álcool é permitido com mínimas restrições, como o uso de copos plásticos e o encerramento das vendas aos trinta minutos do segundo tempo, tal como se observou na Copa do Mundo de 2014.

Perdidos mais sete anos, vê-se que a expurgação desse mal passa por medidas concretas e firmes, com o uso da ação no lugar da retórica. Com  ou sem álcool, apenas uma legislação rígida e específica para o tema e a vontade política dos governantes lastrearão a atuação estatal, de modo a acabar de vez com a violência nos estádios.

Diretas, já?

Por Eduardo Coelho

Após mais um capítulo da grotesca cena política brasileira, o clamor por eleições diretas ganhou corpo nos mais diversos campos da sociedade. Movimentos sociais, intelectuais e o empresariado invocam um novo sufrágio como a solução para recolocar o Brasil nos trilhos. Penso não ser a melhor saída, por razões de ordem estritamente pragmáticas.

A realização de novas eleições gerais, diretas, no melhor dos cenários, não ocorreria antes do final do ano ou do início de 2018, quando já há eleições agendadas para o mês de outubro. Primeiramente, seria necessária a aprovação de uma emenda constitucional modificando a regra do jogo. Imperioso, ainda, alguns meses na tramitação do respectivo projeto, em dois turnos, nas duas Casas do Congresso Nacional.

Uma vez aprovada a emenda, a Justiça Eleitoral teria que organizar as eleições, que não é algo simples nem rápida. Recentemente, tivemos eleições suplementares em Ipojuca. Foram meses para realização do pleito. Imagine-se algo em nível nacional, cujas regras ainda serão definidas em debate legislativo.

Não sem razão, portanto, ao menos sob o ponto de vista prático e operacional, a regra constitucional (artigo 81, parágrafo primeiro), segundo a qual o novo Presidente da República, faltando menos de dois anos para o encerramento do mandato, será eleito pelo Congresso Nacional.

Enfrentaremos, na sequência, outro problema grave e sem aparente solução.  A um Congresso sem nenhum crédito, que legisla em causa própria e encalacrado por denúncias de corrupção, será dada a responsabilidade de eleger um Presidente para guiar nação até o final de 2018. Qual será a legitimidade dessa escolha? Esta refletirá o anseio popular? Penso fortemente que não.

Vou mais adiante. Uma eleição direta, inclusive com novo sufrágio para o legislativo, feita às pressas sem o debate necessário, resolveria a qualidade da representação? Temo mais ainda que não.

Até mesmo a tão propagada orquestração necessária para formar um governo de unidade nacional, de modo a garantir a estabilidade institucional até o final de 2018, não possui qualquer lastro social.

Por outro lado, mais uma vez, estaríamos casuisticamente afastando o procedimento prescrito pela Constituição para fazer frente a um clamor. É muito danoso para as ainda frágeis instituições e para a segurança jurídica. Corremos o risco de, a partir de uma discussão açodada, chegarmos numa definição igualmente precipitada.

Penso que uma eleição direta não resolverá a qualidade do Parlamento. Sem a necessária discussão de ideias, que possui o tempo como pressuposto, corremos o risco de eleger um Congresso ainda mais conservador e mais distante dos anseios da população, com o fortalecimento de correntes ainda mais radicais. A história está aí para nos mostrar.

Confesso que qualquer solução guarda longa distância do que se pode julgar como do ideal e todas as alternativas trazem bastante inquietação, dada a qualidade do capital humano da política brasileira.

Seguir a regra constitucional, contudo, pode sinalizar que as regras postas, então discutidas com a parcimônia necessária (ao menos mais do que no presente momento), podem ser um caminho para a resolução de crises como a que ora vivemos.

Corte Americana impõe limites à investigação de estrangeiros

Por Bruno Muzzi e Eduardo Coelho

Em agosto de 2018, a Corte de Apelação da Justiça Federal do Segundo Circuito dos Estados Unidos  firmou posição no sentido de que o Departamento de Justiça americano (Department of Justice –DOJ) excede sua competência quando ultrapassa os limites territoriais dos EUA e se lança a investigar pessoas estrangeiras que não são originariamente previstas como “investigáveis” pela  Foreign Corrupt Practice Act – FCPA. Neste recente caso , os acusados teriam participado do atos de corrupção como “cúmplices” ou “conspiradores”.

A FCPA atribui ao DOJ competência para investigar e processar 3 (três) categorias de pessoas. A primeira delas (“issuers”) inclui empresas com ações listadas em bolsa de valores nos Estados Unidos ou com títulos em circulação, a quem a lei americana impõe a apresentação de relatórios periódicos à Security Exchange ComissionSEC (equivalente à CVM). A segunda categoria (“domestic concern”) remete a qualquer pessoa física, cidadã americana ou residente nos EUA; ou jurídica, constituída nos Estados Unidos ou que possua atividades nos Estados Unidos. A terceira (“territorial”) possui um viés territorial, incluindo pessoas fisicas ou jurídicas que, independentemente da cidadania, residência ou sede, pratique – em território americano – qualquer ato em violação à FCPA. Além disso, aquele que atuar em nome de uma destas pessoas categorizadas, seja como acionista, executivo ou agente, também estará sujeito às normas anticorrupção.

O DOJ vinha adotando uma interpretação abrangente, que lhe garantia maior alcance à sua atuação. Segundo o DOJ, “Indivíduos e empresas, incluindo cidadãos estrangeiros e empresas estrangeiras, também podem ser responsabilizados por ato de conspiração em violação às disposições da FCPA, ainda que a pessoa não seja ou não possa ser independentemente acusada de uma violação substantiva da FCPA.”  Ou seja, ainda que a pessoa (física ou jurídica) não se enquadre em uma das 3 (três) categorias listadas pela FCPA, ela poderia ser investigada. Essa interpretação ampla gerou, nos últimos anos, inúmeros processos criminais, bem como acordos (muitas vezes bilionários), em que o acusado reconhece a culpa em troca de uma pena mais branda, mediante diversas contrapartidas financeiras e outras restrições e obrigações específicas.

A delimitação da competência foi firmada no julgamento do caso United States v. Hoskins. O acusado, um cidadão britânico, ocupou, entre 2002 e 2009, um cargo diretivo numa multinacional com sede na França. Ele foi contratado pela subsidiária britânica, mas exercia suas funções em Paris. O DOJ alegou ter identificado um esquema de corrupção em que a subsidiária americana (com sede em Connecticut) teria contratado dois consultores para corromper agentes públicos da Indonésia, com o intuito de formalizar contrato, junto ao Poder Público daquele país, em valor equivalente a US$ 118 milhões. O DOJ apontou que as tratativas ocorreram em solo americano (reuniões, ligações e emails) e que os envolvidos utilizaram conta corrente de banco americano para as transações financeiras suspeitas.

Em relação ao acusado, que, enquanto Diretor Financeiro, teria autorizado os pagamentos desde o seu escritório na França, o DOJ o acusou da prática de conspiração: (i) “pura e simples”, por ter auxiliado a subsidiária americana da multinacional (Connecticut) e outras pessoas a violar os preceitos da FCPA; e (ii) agora “na condição de agente” da subsidiária americana da multinacional (Connecticut),  ao atuar como “ajudante e cúmplice” (“aiding and abetting”) na violação dos comandos da FCPA.

A Corte Federal, após uma detalhada análise das razões e premissas que levaram o Congresso Americano a editar a FCPA, analisou o caso sob um ótica ampla e firmou o seguinte precendente: (i) a lei não pode responsabilizar uma pessoa estrangeira, por cumplicidade ou conspiração, que não pisou em solo americano ou não trabalhou para empresa americana durante a prática da suposta irregularidade, pois a lei não conseguiria alcançar e responsabilizar essa mesma pessoa como sujeito principal pela prática do ato de corrupção; (ii) todavia, por conta da relação com a subsisidária americana da multinacional (Connecticut), o acusado pode ser responsabilizado por se qualificar como “agente” da subsisidária.

A decisão não afastou todas as acusações trazidas contra réu, mas lançou uma importante interpretação sobre a FCPA. Trata-se um precedente importante para a comunidade internacional porque delimita a jurisdição do DOJ, faz surgir uma questão sensível para as investigações e ações judiciais que se encontram em curso e ainda redimensiona os programas de compliance das empresas. Em tese, ainda cabe recurso à Suprema Corte, mas, pelo sistema processual norte-americano, sua apreciação depende de um juízo de admissibilidade discricionário exercido pelo mencionado Tribunal. Ainda não se sabe como o DOJ se posicionará em relação a esse precedente e quais os impactos nos acordos de colaboração entre autoridades estrangeiras, mas a decisão é, sem dúvida, um importante marco sobre o tema.

 

Projeto de Lei nº 53/2018 garante mais proteção da privacidade às informações e dados que circulam na internet

Por Emily Zerpa

No dia 10 de julho de 2018, o Senado Federal aprovou o PL nº 53/2018, que cria a primeira lei geral de proteção de dados pessoais no Brasil, cujo projeto envolveu inúmeros representantes da sociedade civil organizada, do setor empresarial, do governo e da academia.

Todos os dias, inúmeros dados pessoais de usuários são acessados indistintamente por empresas públicas e privadas, e, até mesmo, por particulares, que procuram descobrir hábitos, preferências de consumo, características pessoais, posições políticas e muitos outros aspectos de cidadãos.

Tais informações são diariamente coletadas e utilizadas para diversos fins, como estratégias de venda, propagandas e até formação de opinião sobre interesses políticos de uma região ou de um país. Assim, visando conferir uma maior segurança a esses dados, a nova lei estabelece que entidades públicas e privadas que manipulem essas informações estejam previamente autorizadas por seu titular para utilização de forma dirigida a um fim específico.

A partir disso, para coletar e tratar um dado, a empresa interessada precisará solicitar a anuência de seu titular, de forma totalmente clara, específica e nunca de maneira genérica. Assim, caso um dado seja coletado para determinado fim e, durante o processo, a finalidade de utilização dessa informação mude, a empresa coletora, necessariamente, deverá obter nova autorização do titular do dado, que a qualquer tempo poderá revogá-la.

Essa nova legislação assegura que empresas ampliem a garantia da segurança dos dados, impedindo acessos não autorizados, para que, consequentemente, essas informações não vazem na internet, e que, caso aconteça, os donos dos dados sejam imediatamente informados.

Ademais, ao titular do dado será permitida a solicitação de acesso às informações que uma determinada empresa tenha dele, fornecendo esta a indicação da finalidade da utilização do dado, a  forma que a informação está sendo usada e a duração do fornecimento desse dado, vez que tais informações lhe pertencem e se inserem no direito particular de cada indivíduo à privacidade.

Para tanto, será possível, inclusive, solicitar a correção de um dado incompleto, a eliminação de registros desnecessários ou excessivos e, até mesmo, a portabilidade para outro provedor de serviço dos dados pessoais do indivíduo, como, por exemplo, as mensagens de e-mail de um servidor para outro.

Ao infrator, que desrespeitar as regras da lei de dados, será imposta multa, simples ou diária, de até 2% do faturamento do último exercício social, excluídos os tributos, da pessoa jurídica, do seu grupo ou conglomerado no Brasil, limitada ao valor total de R$ 50 milhões. O dever de fiscalizar o cumprimento das novas regras será da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade, ambas a serem criadas a partir da vigência da nova lei.

Logo, a nova lei, que ainda está para ser sancionada pelo Presidente da República, garantirá uma maior proteção jurídica de dados, que são considerados patrimônio e direito individual de cada cidadão, de forma que o tráfego dessas informações pelas redes, não se dê sem consentimento de seu titular, em contraposição aos preceitos constitucionais, que garantem o direito à vida privada.

A Mediação pode ser aplicada numa Recuperação Judicial?

Por Ana Carolina Lessa

O nosso ordenamento jurídico brasileiro vem, a cada dia, valorizando mecanismos de autocomposição.

Tal afirmativa se extrai da essência do novo Código de Processo Civil e da Lei n° 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

Sob esses 02 (dois) enfoques, sempre que possível, a solução deverá ser consensual.

Aliás, a consensualidade é a tônica da mediação, como também, da recuperação judicial.

Com efeito, o instituto da recuperação judicial permite um grande diálogo entre a empresa devedora e os seus credores, exigindo a colaboração de ambos para a manutenção viável da atividade produtiva, nos termos do artigo 47 da Lei n° 11.101/2005, o que, geralmente, resulta num consenso, com o equilíbrio das forças entre o devedor (que possui o direito exclusivo de apresentar o plano) e os seus credores (soberanos em sua maioria, na forma da lei).

Por tal razão, o Conselho da Justiça Federal, em dezembro de 2016, quando da realização da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios editou o Enunciado n° 45, nos seguintes termos: “A mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais”.

Deveras, nos termos do artigo 1º, parágrafo único, da Lei n° 13.140/2015, a mediação consiste na “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”, e deve versar sobre direitos disponíveis, ou, sobre direitos indisponíveis que admitam transação, na forma do que dita o artigo 3º da referida Lei.

Pois bem, a mediação aplicada num processo recuperacional pode trazer inúmeros proveitos, tanto para a empresa devedora como para os credores, pois, via de regra, os direitos são disponíveis. A título de exemplo, mas sem se limitar, é possível identificar os seguintes benefícios com a aplicação da mediação no processo recuperacional: obtenção de negociação de descontos, parcelamentos ou outros benefícios; pacificação para a realização da assembleia de credores; fixação de parâmetros similares aos credores, eliminando conflitos; e, proteção do interesse público na manutenção do negócio em crise momentânea.

Vislumbrando esses benefícios, os Tribunais brasileiros vêm louvando a utilização da técnica de mediação pela empresa devedora, em recuperação judicial, e seus credores, a exemplo do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na recuperação judicial da Oi.

Fica, assim, evidenciado que a mediação pode ser um instrumento valioso para estimular o necessário fluxo de informações entre os sujeitos envolvidos na recuperação judicial, mas, para isso, indispensável uma mudança profunda no senso comum teórico e nas práticas dos juristas brasileiros, que deverão assumir atitudes mais colaborativas no sentido de uma boa gestão dos conflitos para uma efetiva concretização do direito.

 

 

A importância da Revisão Judicial dos Contratos no Atual Cenário Econômico Brasileiro

Por Ana Carolina Lessa

No atual cenário econômico do país, de notória dificuldade financeira e até recessão, de grandes alterações de preços, entre outras intempéries características dos períodos de crise, ressurge a revisão judicial dos contratos como ferramenta para manutenção do seu equilíbrio, ou, como alternativa para manutenção do pacto de maneira viável.

Nesse desiderato, considerando o período nebuloso que atravessamos, a relevância da revisão judicial renova-se para viabilizar a manutenção dos contratos a contento para ambas as partes, e não apenas de modo a beneficiar o devedor, que deve agir com lealdade e boa-fé, de modo contributivo, para satisfazer a expectativa de crédito da outra parte.

Deveras, na relação negocial é notório que, além do interesse primordial de recebimento da prestação pelo credor, e do dever de realização do devedor, existe, ainda, o intuito essencial de manutenção do pacto, que, em muitos casos possui relevância para terceiros, e até para a sociedade em geral.

Assim, diante do contexto hodierno, importante seja incorporado o espírito de cooperação entre as partes, especialmente pelo credor, de modo a viabilizar a manutenção do pacto, e, inclusive, facilitar o recebimento do crédito, levando em conta as nuances do mercado, principalmente fatos que fogem do controle das partes.

Não havendo essa colaboração, o nosso ordenamento jurídico – Código Civil de 2002 – possui ferramentas que amparam a revisão contratual, permitindo, inclusive, a resolução do contrato por onerosidade excessiva (artigos 478 a 480), além da aplicação da teoria da imprevisão prevista no artigo 317, de modo a permitir a revisão, pelo Judiciário, dos pactos celebrados, visando o correto equilíbrio econômico do ajuste.

Registre-se, não se está aqui querendo defender ou estimular o calote, ou a banalização da revisão judicial, mas, realçar a importância do instituto, como meio de restabelecimento do equilíbrio dos pactos negociais, com vistas à manutenção do contrato e da empresa, em respeito à função social e, em decorrência, como forma de recuperar a economia.

Recuperação Judicial e Trava Bancária, o fim do embate jurídico?

Por Ana Carolina Lessa 

O art. 47, da Lei n° 11.101/2005, dispõe que “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

A regra, é clara. Se busca salvar a empresa, desde que economicamente viável.

Nesse cenário, exsurge o debate sobre a trava bancária e a importância de sua liberação para uma empresa em recuperação judicial.

Para o jurista Fábio Ulhoa, a trava bancária “consiste em dois dispositivos legais da Lei, em que determinados créditos, normalmente titulados por Bancos, são poupados dos efeitos da recuperação judicial (art. 49, §§ 3º e 4º, da Lei n° 11.101/2005)”. Ou seja, ela impõe um privilégio ao seu credor, evitando que ele fique sujeito aos efeitos da recuperação, além de impedir o devedor de utilizar aquele crédito em operações de fomento do seu negócio.

A temática é de extrema importância, pois gravitam em torno dela dois interesses conflitantes: o da empresa em recuperação judicial x credor com garantia fiduciária.

A liberação de uma trava bancária, viabiliza a entrada de capital no caixa da empresa recuperanda, sendo, pois, de vital importância para a superação da crise.

Inobstante, tal entendimento não vem sendo comungado, ultimamente, pelos Tribunais brasileiros, que não estão liberando as travas bancárias, aplicando friamente a letra da Lei, atestando a extraconcursalidade do crédito.

Nessa ambiência, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando da recente análise do Recurso Especial n° 1758746/GO, decidiu que: “nas hipóteses de recuperação judicial, não é possível o sobrestamento, ainda que parcial, da chamada trava bancária quando se tratar de cessão de créditos ou recebíveis em garantia fiduciária a empréstimo tomado pela empresa devedora”.

Mas, será que o STJ encerrou a discussão do assunto, mesmo à luz do princípio da preservação da empresa? Ou, as empresas recuperandas podem nutrir um fio de esperança para superar a crise?

Quem viver, verá.

Sucumbência na Justiça do Trabalho

Por Kelma Collier 

A reforma trabalhista alterou o regramento dos honorários de sucumbência no âmbito da Justiça do Trabalho. Anteriormente, essa possibilidade basicamente se limitava aos litígios envolvendo empregados assistidos pelos Sindicatos de Classe.

A Lei 13.467/17, que veiculou a reforma, inseriu o artigo 791-A na Consolidação das Leis do Trabalho, que assim prescreve: “Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa”.

Com as novas regras, tem-se o comando do artigo 791-A tem aplicação imediata para os processos distribuídos após a entrada em vigor da lei 13.467/17. Da mesma forma, não se aplicam para os casos cuja relação jurídica se findou e já produziu todos os seus resultados sob a vigência da norma anterior.

O principal desafio está na aplicação do artigo 791-A da Consolidação das Leis do Trabalho aos processos em curso, ou seja, nas reclamatórias que foram ajuizadas antes da vigência da Lei nº 13.467/2017.

Em Pernambuco, ainda não se visualiza um entendimento pacificado sobre o tema entre os juízes de 1º grau. Parte entende que as novas regras não se aplicam aos processos ajuizados antes da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, mas um outro grupo já as aplicam quando da prolação da sentença.

Em decisão proferida no dia 24/01/2018, de relatoria da desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo, o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (Pernambuco), acolheu recurso patronal para excluir os honorários advocatícios por entender que a Reclamação Trabalhista foi ajuizada antes da vigência da Reforma Trabalhista.

Por outro lado, para a desembargadora Thais Verrastro de Almeida, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) o dever de pagar honorários de sucumbência  deve valer para casos julgados em primeira instância após a entrada em vigor na nova Lei, mesmo que ajuizados antes da vigência da reforma trabalhista.

A ministra do Tribunal Superior do Trabalho, Cilene Ferreira Amado Santos, possui entendimento semelhante ao do Tribunal da 2ª Região, uma vez que, em recente decisão, ressaltou “que deve ser aplicada aos processos novos, contudo não pode ser aplicada aos processos que já foram decididos nas instâncias ordinárias sob a vigência da lei anterior (lei 5.584/70)”.

Este não é o único ponto controverso, trazido pelo artigo 791-A, com que os operadores do direito se depararão. Além da discussão sobre a temporalidade das regras inovadoras, , há também (comentaremos em outra oportunidade) discussão sobre a fixação dos percentuais nos casos de condenação recíproca e a parametrização de tais valores, por exemplo. Agora é cumprir nosso papel ativo na advocacia e aguardar a definição dos tribunais sobre o tema.

O trabalhador autônomo frente às novas regras editadas pela Portaria 349 de 23/05/2018 do Ministério do Trabalho e Emprego

Por Kelma Collier

A Reforma Trabalhista trouxe a inclusão do artigo 442-B na Consolidação das Leis do Trabalho e a possibilidade de contratação do trabalhador autônomo sem a formação de vínculo de emprego, mas o texto legal se limitava a estabelecer que: “a contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação”.

O artigo 3º da Consolidação das leis do Trabalho considera como “empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

Para trazer maior segurança jurídica aos verdadeiros contratos de prestação de serviços autônomos, a Medida Provisória 808/2017 acrescentou 7 (sete) parágrafos ao artigo 442-B da Consolidação das Leis do Trabalho, mas a medida perdeu eficácia em abril.

Na última quinta-feira, dia 24 de maio de 2018, visando esclarecer essas regras, foi publicada a Portaria 349 do Ministério do Trabalho regulamentando à contratação de autônomos e intermitentes.

O texto da Portaria é basicamente uma repetição de trechos da medida provisória cancelada. Em linhas gerais, com a edição da Portaria fica estabelecido que não há formação de vínculo de emprego aos trabalhadores autônomos que prestam serviços apenas a um tomador de serviços, mesmo motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis e trabalhadores regulados por leis específicas.

Também restou assegurado ao autônomo a possibilidade de se recusar a realizar atividade demandada pelo contratante, garantida à aplicação de cláusula de penalidade prevista em contrato, restando mantida a formação de vínculo de emprego se presente na relação a subordinação jurídica.

Por outro lado, a Portaria não vedou a celebração de cláusula de exclusividade, conforme constava no texto da Medida Provisória 808/2017.

Nessa linha, podemos concluir que as empresas poderão contratar profissionais autônomos, ainda que de forma habitual, exclusiva e para sua atividade-fim, desde que não esteja presente a subordinação jurídica.

Todavia, destaco que a reforma trabalhista ainda é extremamente recente, não havendo entendimento consolidado de sua aplicação tanto pela doutrina quanto pelos tribunais pátrios.