O Superior Tribunal de Justiça afasta o Código de Defesa do Consumidor em quebra antecipada de contrato com alienação fiduciária

A quebra antecipada de um contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária não acarreta a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor. Nesse cenário, as disposições da Lei 9.514/1997 continuam em vigor. Com base nessa interpretação, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial interposto por uma empresa incorporadora de imóveis, a fim de evitar a obrigação de reembolsar parte dos pagamentos efetuados por um comprador que desistiu do contrato.

A desistência, neste caso específico, ocorreu porque o comprador, antecipadamente, percebeu que não teria condições de cumprir com as obrigações financeiras. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) decidiu que ele tinha o direito de receber um reembolso parcial referente ao que já havia pagado. O TJRN aplicou a Súmula 543 do STJ ao caso, a qual determina que a rescisão de um contrato de compra e venda de imóvel sujeito ao CDC resulta em reembolso parcial das parcelas ao comprador, com uma retenção de 25% pelo vendedor.

Entretanto, esse contrato envolve uma garantia de alienação fiduciária, na qual a propriedade do imóvel é transferida para a instituição financeira que forneceu o financiamento e só é restituída quando a dívida é totalmente quitada.A incorporadora solicitou, portanto, a aplicação do procedimento previsto na Lei 9.514/1997, que estabelece que, caso a dívida não seja paga integralmente ou em parte, a propriedade do imóvel é consolidada em nome do credor fiduciário. Em seguida, o credor deve realizar um leilão público do bem em até 30 dias, com o intuito de quitar a dívida, incluindo juros convencionais, penalidades, encargos contratuais e custas do leilão. Qualquer valor excedente, se houver, deve ser entregue ao devedor.

A 3ª Turma do STJ já havia estabelecido um precedente em 2020 indicando que, em casos de incapacidade financeira do comprador para cumprir com as parcelas, o procedimento da Lei 9.514/1997 deve ser seguido. Essa posição foi reafirmada pela ministra Nancy Andrighi, relatora do caso atual. Para a ministra Nancy Andrighi, mesmo quando o comprador antecipa a quebra do contrato, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor deve ser descartada. Isso ocorre porque, ao declarar sua intenção de não cumprir o contrato, o comprador torna iminente seu futuro inadimplemento, o que é suficiente para aplicar a Lei 9.514/1997.

Essa decisão é significativa, pois em outubro do ano anterior, a 2ª Seção do STJ estabeleceu uma tese afirmando que o CDC não se aplica em casos de rescisão de contratos de compra e venda de imóveis com garantia de alienação fiduciária. O colegiado entendeu que a Lei 9.514/1997 é mais recente e específica em relação ao Código de Defesa do Consumidor, prevalecendo sobre este último.

Todavia, havia uma dúvida se essa tese se aplicaria em casos de rescisão antecipada do contrato, uma vez que essa é uma prática sem regulamentação legal no Brasil, mas amplamente utilizada em processos. A ministra Nancy Andrighi, porém, concluiu que, mesmo em tais circunstâncias, o Código de Defesa do Consumidor não deve ser aplicado. Isso ocorre porque, ao manifestar sua intenção de não cumprir o contrato, o comprador já deixa claro seu futuro inadimplemento, o que é suficiente para justificar a aplicação da Lei 9.514/1997.

Em resumo, a decisão da 3ª Turma do STJ enfatiza a importância da Lei 9.514/1997 em contratos de compra e venda de imóveis com garantia de alienação fiduciária, mesmo quando ocorre a quebra antecipada do contrato pelo comprador. Isso assegura a estabilidade no mercado e protege os interesses das partes envolvidas.

Acórdão na íntegra: REsp 2.042.232.

3 anos de LGPD – Primeiros passos na proteção de dados no Brasil

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) completou seu 3º aniversário de vigência no último dia 18. Aderindo ao contexto global, que já caminha no sentido da estabilização do ambiente protetor de dados pessoais, o Brasil ainda engatinha nesse terreno. Não há dúvidas, porém, quanto aos pequenos passos que vêm sendo dados no sentido de viabilizar um ambiente favorável e propulsor da proteção de dados pessoais no Brasil.

Em comemoração ao marco dos 5 anos de existência e 3 anos de vigência da LGPD, destacam-se alguns eventos de relevo substancial, os quais serão pontuados neste breve texto.

Importante contextualizar que, inicialmente, o caminho até a implementação foi precedido pelo entendimento da importância da privacidade na era tecnológica. Praticamente todos os brasileiros estão diariamente conectados com a internet e, consequentemente, com plataformas que tratam seus dados pessoais com frequência.

Vêm crescendo, no Brasil, as notificações de vazamentos de dados por parte de empresas, repartições e entidades em geral. Isso ocorre porque a LGPD determina que o portador de dados de terceiros faça um Comunicado de Incidentes de Segurança (CIS) à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), e ao titular das informações, sempre que houver vazamento capaz de acarretar risco ou danos relevantes ao cidadão. Entre 2021 e 2022, por exemplo, o crescimento nas notificações foi de 54,3%.

A ANPD, já mencionada, é a Autarquia vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública responsável por zelar pela proteção de dados pessoais e regulamentar, implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD no Brasil. Cumpre salientar que a agência ainda está se estruturando e formando seus quadros, tendo promovido seu primeiro concurso em janeiro deste ano. Muitos processos, portanto, ainda estão na fase administrativa, a maioria ligados a instituições da administração pública e empresas dos setores de saúde, educação, financeiro e tecnologia da informação.

Nesse sentido, as sanções só foram regulamentadas no último mês de fevereiro do ano em curso pela ANPD, com a publicação do Regulamento de Dosimetria e Aplicação de Sanções Administrativas, estabelecendo parâmetros e critérios para aplicação de penalidades, levando em consideração a gravidade e a natureza da infração, os danos causados aos titulares dos dados, a vantagem auferida/pretendida, a reincidência e, também, o porte econômico do infrator, visando garantir a proporcionalidade da penalidade de acordo com o caso concreto e suas particularidades.

A primeira multa foi aplicada apenas em julho de 2023, à uma microempresa de telecomunicações de Vila Velha/ES. Após uma advertência, aplicou-se a multa total de R$ 14,4 mil, em decorrência da falta de indicação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais. Apesar do valor baixo, a sanção carrega consigo o simbolismo de transmitir a mensagem de que a proteção de dados pessoais é uma prioridade e deve ser tratada com cuidado e responsabilidade.

Para além das iniciativas encampadas pela ANPD, uma série de acontecimentos se destacam, no que pertine evidenciar a evolução do ambiente de proteção de dados. Um dos principais foi a inclusão, por meio da Emenda Constitucional 115, em março de 2022, da proteção de dados pessoais no rol de direitos fundamentais do cidadão, atribuindo à União a competência de legislar, organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento desses dados.

O direito fundamental à proteção de dados assume particular relevância diante da existência de uma série de lacunas regulatórias, posto que a LGPD não contempla os setores da segurança nacional, segurança pública, investigação criminal e execução penal, dentre os mais relevantes. Por tal motivo, finda-se uma “zona livre” de proteção dos dados pessoais no ordenamento jurídico nacional. Acrescente-se que, a teor do artigo 5º, §§ 2º e 3º, CF, o marco normativo que concretiza e formata o âmbito de proteção e as funções e dimensões do direito à proteção de dados é também integrado pelos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Outro marco importante ocorreu em novembro do ano de 2021, quando a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle realizou audiência pública sobre o tema, e o deputado Elias Vaz (PSB-GO), que pediu o debate, afirmou que cidadãos e parlamentares têm requisitado informações do governo com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) e estão tendo negativas, em função da LGPD. As autoridades ouvidas garantiram que não há conflitos entre as leis e afirmaram que o acesso a informações de órgãos públicos e de agentes públicos não pode ser prejudicado por interpretações equivocadas da LGPD. Na ocasião, a então diretora da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, Miriam Wimmer, ressaltou que a transparência era a regra, e o sigilo, a exceção.

No último mês de março, representantes de 60 municípios estiveram em Porto Alegre/RS para o 2° Fórum de Proteção de Dados Pessoais dos Municípios. Em pauta, uma discussão sobre a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), realizado em parceria com prefeitura da capital gaúcha e a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), reunindo mais de 200 participantes e demonstrando, na prática, o dever do Poder Público como um dos agentes implementadores do aculturamento tão desejado.

Já no âmbito judicial, mais recentemente, duas ações coletivas diferentes protocoladas pelo Instituto Defesa Coletiva levaram à uma decisão da Justiça mineira que determinou o pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 20 milhões, pelo Facebook, em decorrência de vazamentos de dados ocorridos em 2018 e 2019, quando hackers conseguiram burlar a segurança do Facebook e acessar dados de milhões de pessoas.

Há previsão, ainda, de que R$5 mil devem ser desembolsados para indenizar individualmente cada usuário afetado que entrar com ação contra a empresa. Trata-se de importante decisão judicial com base na LGPD, o que abre margem para mais demandas do tipo e a potencialização da conscientização quanto aos cuidados a serem tomados pelos tratadores de dados.

Por fim, importante pontuar que, neste ano, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou o Guia de Boas Práticas de Proteção de Dados para a Indústria, bem como que a ANPD divulgou, em agosto, seu Relatório de Acompanhamento Semestral da Agenda Regulatória 2023-2024, constatando avanços da participação social no processo de regulamentação e elaboração de guias orientativos, como a consulta e audiência pública, por meio das quais a Autoridade recebeu 4.256 contribuições da sociedade.

Pois bem.

Entende-se que o processo agora é de amadurecimento. Era sabido que, nos primeiros anos, a insegurança do mercado e o desconhecimento por parte da sociedade civil ainda perdurariam. Aos poucos, certamente, a população e as empresas têm se conscientizado a respeito de seus direitos e da necessidade de proteção dos dados pessoais, e um indício desse esclarecimento é a alta de mais de 500% no número de ações judiciais que discutem a aplicação da LGPD, conforme levantamento realizado pelo escritório Mattos Filho. A maioria das demandas ao longo dos anos foi ajuizada por titulares de dados, representando mais de 90% no universo analisado.

Ademais, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes), em relatório publicado, 86% das grandes empresas brasileiras alegam manter monitoramento e tratamento da privacidade de dados perante à LGPD mas, entre elas, a restrição orçamentária e o balanceamento das prioridades de oportunidades, apontados por, respectivamente, 72% e 50% das empresas, o que, evidentemente, resulta na limitação dos investimentos de segurança e TI.

Conclui-se, diante dos pontos aduzidos, que a regulação, por meio da ANPD, vai mais no sentido da orientação e prevenção do que propriamente de repressão por multas, deixando claro que penalizar não é uma prioridade agora. A organização social e o aculturamento da proteção de dados no Brasil é, indiscutivelmente, a pauta principal. O caminho é longo e, como demonstrado, a proteção de dados ainda não atingiu o status prioritário em todos os setores econômicos, porém, os marcos aqui destacados dão bons sinais de que a perspectiva adiante é positiva, tornando a segurança da informação ainda mais importante para a adequação ao mercado atual.

Por: André Garcia Filho

Reflexão sobre o marco legal do transporte público coletivo urbano

O transporte público de passageiros enfrenta um momento de grande expectativa em relação à possibilidade de aprovação, ainda neste ano, do marco legal da categoria, pleito defendido por muitos como a salvação do setor.

No entanto, oportuno discorrer sobre a real necessidade de mais uma norma para repercutir o assunto. E a dúvida ocorre justamente em razão da vasta quantidade de leis, decretos, artigos, incisos e parágrafos que se relacionam à temática. Nesta toada, é prudente refletir se o texto apenas somará ao que já existe no ordenamento brasileiro, sem acrescentar conteúdo capaz de dar um salto de qualidade ao serviço. Me parece mais uma tentativa de trunfo político num compilado de previsões já existentes, que na prática não amenizará a preocupação que paira.

Dentre algumas normas aplicadas ao setor, estão desde a Constituição Federal, passando pela Lei Geral de Licitações, alterada recentemente, Lei das Concessões, Parcerias Público Privadas, Política Nacional da Mobilidade Urbana, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Estatuto da Cidade, até normativos estaduais e municipais que, dentro de cada competência constitucional, atuam sobre o tema.

Antes de justificar a desnecessidade de formalização de mais uma norma que trate dos grandes problemas que possuem identidade com a pauta, importante destacar que o tema do marco legal vem sendo discutido através de duas iniciativas. Uma delas é o PL 3278/2021, de autoria do então senador Antonio Anastasia (PSD-MG), atualmente ministro do TCU, que restou arquivada ao final da legislatura passada, mas que voltou a tramitar em razão de um pedido do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).

Em paralelo, no ano passado, técnicos da Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana (Semob), vinculada ao Ministério das Cidades, elaboraram uma minuta de texto submetida à consulta pública, que recebeu cerca de 900 sugestões de aprimoramento. Após a consolidação, o documento ficou pronto para ser encaminhado para realização de audiência pública, estágio atual que se encontra. Após esta etapa, a versão final será encaminhada à Casa Civil da Presidência da República.

A expectativa é que os textos propostos pelo Legislativo (PL 3278) e Executivo (Semob) sejam unificados e que contenham um conjunto de normas que regule a prestação dos serviços públicos de transportes urbanos de passageiros.

No entanto, em linha com o questionamento acima, salvo melhor juízo, o arcabouço normativo sobre a temática é mais que suficiente para contribuir com o setor, devendo as condutas específicas serem tratadas em cada caso concreto nos editais e contratos públicos. O temor no alto investimento por parte do empresário não ocorre em razão da ausência de normas legais, mas sim por conta da incerteza quanto ao cumprimento delas. Na verdade, o receio ameaça não apenas o setor, mas o desenvolvimento econômico do nosso país.

É de se destacar, portanto, que dentre os principais assuntos que se destacam, estão segurança jurídica, equilíbrio econômico-financeiro, alocação de riscos e remuneração adequada. Todos esses grandes temas já estão previstos em diversas normas, consoante passamos a demonstrar a seguir.

Com relação às normas que trazem expressões que se aplicam ao setor, podemos iniciar pela Carta Magna, que prevê que o transporte é um direito social e dos trabalhadores, colocando-o na mesma importância da saúde, educação, alimentação, moradia.

Destaca ainda o caráter essencial do transporte público e a competência dos municípios para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão esse serviço, sempre através de licitação, conferindo, portanto, previsibilidade, formalidade e regramentos claros e objetivos na relação jurídica.

No tocante à necessidade de financiamento de programas de infraestrutura em transporte, o assunto restou definido na lei que instituiu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.

Outra norma de bastante interesse é o Estatuto das Cidades, que enfrenta problemas que ultrapassam questões atinentes ao transporte coletivo de passageiros, passando pela abordagem de uma política objetiva acerca do pleno desenvolvimento das funções sociais locais e da propriedade urbana, bem como serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais.

Podemos citar também passagens da Lei Geral de Licitações, das Concessões e das Parcerias Público Privadas, que em seus respectivos textos trazem diretrizes que conferem segurança jurídica nas operações de serviço do transporte público de passageiros.

A lei de licitações atual aponta que as contratações públicas devem submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estarem subordinadas ao controle social, levando em consideração os custos e os benefícios decorrentes de sua implementação, com segurança jurídica para todos os envolvidos e com resultado mais vantajoso para a administração.

A mesma lei trata da preocupação de muitos operadores, qual seja, a necessidade de previsão no edital de uma matriz que aloque os riscos entre o contratante e o contratado, hipótese em que o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar uma taxa compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pelo ente federativo.

Já a lei das concessões é cristalina ao assegurar que os contratos firmados com a Administração devem conferir segurança, equilíbrio econômico-financeiro e previsibilidade aos partícipes da prestação dos serviços.

No mesmo sentido, a Lei das PPP’s trouxe mais elementos que reforçam os mesmos pontos centrais necessários a conferir segurança jurídica nas relações com o Poder Público, ao apontar cláusulas necessárias que devem constar as formas de remuneração, critérios objetivos de avaliação de desempenho do parceiro privado.

Vale citar ainda a Lei 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional da Mobilidade Urbana e trata acerca do regime econômico e financeiro da concessão e da permissão do serviço de transporte público coletivo, com definição para o edital prever a desvinculação da tarifa pública daquela que deve remunerar o operador, de forma a assegurar a cobertura dos reais custos do serviço prestado ao usuário.

Como visto nos exemplos citados, os textos legais apontam diversos temas bastante relevantes ao setor. Poderíamos trazer outras previsões normativas interessantes sobre o tema, mas o que importa, afinal, é deixar a mensagem de dúvida acerca da necessidade de um Marco Legal, quando já temos diversas leis que conferem os regramentos necessários. O ponto em questão reforça que o problema não está na ausência de previsão legal sobre os temas relevantes e atinentes ao setor, mas sim na aplicação da lei no caso concreto, gerando a conhecida expressão da insegurança jurídica no Brasil.

Por fim, não se pode deixar de lado a importância que os instrumentos convocatórios reflitam a realidade de cada sistema, com a indicação das matrizes de risco de parte a parte e regras que possam ser adaptadas durante o período dos contratos de longo prazo, abolindo as previsões estáticas que dificultam as tomadas de decisões. Sobre esse ponto, podemos citar a necessidade de alguns sistemas em substituir a frota a diesel por novos equipamentos com energia mais limpa.

A dificuldade dos gestores esbarra nas previsões dos contratos em curso, que definem a exigência da característica dos veículos durante o curso do contrato administrativo, normalmente de longo prazo. Alguns definem padrão específico e esta previsão aflige o poder público para, por exemplo, autorizar a substituição dos carros por uma matriz elétrica, que possuem características diferentes e outros custos atrelados. Outro dificultador é a incapacidade de a tarifa pública cobrir o aumento do custo e a ausência de previsão nos editais de pagamento do operador por fontes alternativas de recursos.

Em tempos de ESG e de grande avanço da inteligência artificial, cujos temas se atualizam mais rapidamente que a norma jurídica, os editais devem prever situações que se amoldem à realidade de cada tempo, tudo isso para buscar o interesse das partes. Previsões que prestigiem o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, com divisão justa dos riscos, farão com que haja maior interesse em realizar investimentos por parte dos empresários e os gestores possam com tranquilidade, tomar decisões sem ter o receio de colocar em risco o seu CPF quando da análise das contas pelos órgãos reguladores ou mesmo por qualquer decisão judicial equivocada.

Como visto, a insegurança jurídica gera impactos negativos nas tomadas de decisões por parte dos gestores e dos transportadores e o saldo desta equação gera impacto direto na qualidade da prestação do serviço para a população usuária, constitucionalmente detentora do direito social ao transporte.

Por: Ricardo Dalle no site do JOTA

União e estados-membro são obrigados a fornecer medicamento à base de Canabidiol (CDB) para o tratamento de pessoas com TEA e Epilepsia

Em recente decisão proferida no julgamento do Recurso Especial nº 2006118, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que União e Estados-membros devem fornecer medicamento à base de canabidiol (CDB) para o tratamento de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) e epilepsia.

Trata de uma Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Federal contra União e o Estado de Pernambuco, pleiteando o fornecimento de medicamento à base de canabidiol, necessário ao tratamento da síndrome de West, síndrome de Beckwith-Wiedmann e Transtorno do Espectro Autista.

O pedido do MPF fundamenta-se no cenário em que o paciente já esgotou todos os tratamentos disponíveis no território nacional, todos sendo ineficazes para o caso clínico. Portanto, o medicamento pretendido, ou seja, o CDB ainda que não tenha registo na ANVISA e não esteja contemplado na lista daqueles que são fornecidos pelo SUS, foi prescrito pelo neuropediatra da criança como um tratamento alternativo a fim de garantir uma melhora na qualidade de vida da paciente.  

A ação foi inicialmente julgada procedente, tendo a decisão sido mantida em sede de segundo grau pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Entretanto, a União e o Estado de Pernambuco interpuseram recurso especial alegando, dentre outros fatores, a impossibilidade de fornecimento do medicamento visto que este não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), bem como, não integra o protocolo dos medicamentos ofertados pelo SUS, além de atuar como um tratamento experimental.

Em decisão, a Segunda Turma negou provimento ao recurso especial da União e do Estado de Pernambuco que buscava reverter a decisão que condenou ambos os réus em sede de primeiro grau, e posteriormente, em grau recursal, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Segundo o relator, o Ministro Francisco Leão, é dever do Estado fornecer medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, conforme o tema 1.161 do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, a discussão quanto a eventual ineficácia dos tratamentos tradicionais já experimentados pela paciente, bem como, da excepcionalidade da situação e de todo o arcabouço probatório dos autos, tais como laudos e prescrições médicas esbarraria na Súmula nº 7 do STJ.

Por: Maria Laura Vasconcelos

A Obrigatoriedade da Ata Notarial no Procedimento de Adjudicação Compulsória Extrajudicial

Inicialmente, é importante elucidar que a Adjudicação Compulsória trata-se de um procedimento estabelecido por Lei, visando a regularização do registro de um imóvel, através da autorização para a sua transferência ao credor.

O artigo 1.418 do Código Civil estabelece que o promitente comprador, ou seja, aquele que é titular do direito real, pode exigir do promitente vendedor ou a quem os direitos forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e caso haja recusa, deverá requerer a adjudicação do imóvel. Em palavras mais compreensíveis, este termo se refere a uma situação em que alguém adquire um imóvel, através do contrato de compra e venda, e, no final, no momento de lavrar a escritura, o vendedor se recusa a outorgar a escritura.

É válido ressaltar que com o advento da Lei 14.382 de 2022, o legislador trouxe a possibilidade de realizar o aludido procedimento através da via extrajudicial, conforme aduz o artigo 216-B: “Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo”.

É importante salientar que a possibilidade de realizar a adjudicação compulsória extrajudicialmente trouxe inovação e melhoria para a sociedade, promovendo maior agilidade e desafogando o judiciário.

No que tange aos requisitos para realizar o procedimento, podemos observar a obrigatoriedade da Ata Notarial, a qual pode ser entendida como uma espécie de documento necessário para comprovar algo. Este documento é lavrado em um Tabelionato de Notas, através de um tabelião profissional, que atestará evidências ou provas que foram vivenciadas por ele.

A Ata Notarial está conceituada no artigo 384 do Código de Processo Civil, aduzindo a aludida Lei: a existência de algum fato deverá ser atestada ou documentada, através do requerimento da pessoa interessada e diante de uma Ata lavrada por tabelião.

Diante disso, é relevante e imprescindível a disposição da Ata Notarial na Adjudicação Compulsória que ocorre no formato Extrajudicial, pois este procedimento é realizado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis e a Ata facilitará na comprovação de documentos importantes, sejam eles: a quitação da dívida, o contrato particular, a mora do devedor, entre outros.

Vale dizer, ainda, que este tema já foi considerado um tanto polêmico no meio jurídico, tendo em vista existir mais de uma reformulação quanto ao texto disposto no artigo 216-B, da Lei de Registros Públicos. O inciso terceiro, do artigo mencionado, abordava que a Ata notarial seria caracterizada como um documento fundamental para requerer a Adjudicação Extrajudicial, sendo ela lavrada por tabelião de notas, atestando a posse do requerente, a prova do pagamento da obrigação do comprador, conferindo-lhe a pretensão de adquirir a propriedade do imóvel e, a regular constituição em mora do promitente vendedor.

Ocorre que, este inciso havia sido vetado, sob a alegação de que a Ata Notarial iria encarecer e burocratizar o procedimento, porém, o Congresso Nacional derrubou o veto e, no dia 5 de janeiro de 2023, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgou a obrigatoriedade da Ata Notarial, fazendo com que haja a exigência da aludida Ata para este procedimento, assim como ocorre na Usucapião.

Escrito pela equipe de Direito Imobiliário

Quais medidas podem ser adotadas em caso de falta dos empregados decorrente de greve do transporte público?

Com a greve dos rodoviários deflagrada à meia-noite do dia 26/07/2023 na cidade do Recife, alguns trabalhadores não conseguiram se deslocar até seus postos de trabalho, outros acabaram chegando após o horário de início de suas atividades, situações que acabam por gerar transtornos dentro do ambiente de trabalho. De um lado os trabalhadores que dependem do transporte público para se deslocar, do outro o empregador que depende desses empregados para operar.

Esse cenário se agrava ainda mais com a promessa de que a greve deve perdurar de forma indeterminada, acabando por gerar dúvidas:

  1. O dia não trabalhado deve ser considerado falta injustificada?
  2. Pode haver desconto no salário nesse dia?
  3. O atraso no início das atividades pode ser descontado?
  4. Como fica o cálculo do descanso semanal remunerado (DSR)?
  5. A falta deve ser abonada?

A legislação trabalhista não traz norma especifica quanto ao tema, suscitando controversa entre doutrinadores e juristas. De um lado, o artigo 473 da CLT, que traz de forma taxativa as situações que o empregado pode deixar de comparecer ao trabalho sem prejuízo do salário, não elencando a paralização dos serviços de transporte público como motivo justificador para ausência ao trabalho.

Ou seja, olhando por essa perspectiva, caso não tenha previsão em norma coletiva em sentido contrário, a empresa, em tese, estaria acobertada em proceder com desconto no salário pelos dias não trabalhados, inclusive no que tange ao DSR.

Por outro lado, o argumento utilizado para os que defendem que a falta é justificada, é de que a empresa, por força do artigo 2º da CLT, assume o risco do negócio, não podendo o trabalhador, que utilizada transporte público, ser penalizado em razão de greve pela qual não deu causa, principalmente porque fez a opção pelo recebimento do vale transporte.

A experiência tem mostrado que o melhor caminho é o bom senso, analisando caso a caso e buscando encontrar mecanismos que reduzam os prejuízos para trabalhadores e empresários. O primeiro passo é olhar a norma coletiva da categoria e, em não havendo previsão em sentido contrário, as empresas que adotam Banco de Horas podem realizar a compensação dos atrasos ou dias não trabalhados. Já para as empresas que não possuem Banco de Horas regularmente instituído, nos moldes do artigo 59, §6º da CLT, poderão realizar acordo para a compensação das horas dentro do mesmo mês. As empresas também podem fornecer transporte nesses dias ou até mesmo acordar o labor em regime de home office, quando a atividade desempenhada assim permitir. Tais possibilidades, conduto, só podem ser adotadas para os trabalhadores que optaram pela utilização de transporte público, não sendo aplicada para os que se deslocam por outros meios, ocasião em que a falta não é justificada.

Por: Felipe Medeiros e Paula Saldanha

STF determina a suspensão de processos em que houve inclusão de empresa integrante de Grupo Econômico na fase de execução

No último dia 25 de novembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal determinou a suspensão de todos os processos trabalhistas que se encontram na fase de execução e que tenham como discussão a inclusão de empresa integrante de Grupo Econômico apenas na fase de execução.

A decisão foi prolatada pelo Min. Dias Toffoli, no Recurso Extraordinário n

º 1.387.795, em que foi reconhecida a repercussão geral do tema relacionado a “inclusão de empresa integrante de grupo econômico em execução trabalhista, sem que ela tenha participado do processo de conhecimento”.

O Tema 1.232, objeto da análise pelo Supremo Tribunal Federal, possui a seguinte descrição: “Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, II, LIV e LV, 97 e 170 da Constituição Federal, acerca da possibilidade da inclusão, no polo passivo de execução trabalhista, de pessoa jurídica reconhecida como do grupo econômico, sem ter participado da fase de conhecimento, em alegado afastamento do artigo 513, § 5º, do CPC, em violação à Súmula Vinculante 10, e, ainda, independente de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica (artigos 133 a 137 e 795, § 4º, do CPC)”.

Neste ponto, apesar de o tema ser objeto de discussão na Justiça do Trabalho há mais de duas décadas, ainda sem um posicionamento uniforme no âmbito da Justiça Especializada, há notória insegurança jurídica quanto ao tema.

Tal discussão surgiu após o cancelamento da Súmula 205 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ocorrido em novembro de 2003, que tinha a seguinte redação:

“GRUPO ECONÔMICO. EXECUÇÃO. SOLIDARIEDADE.

O responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo na execução.

Observação: (cancelada) – Res. 121/2003, DJ 20, 22 e 25.04.2005”

Importante destacar que, com o advento do Novo Código de Processo Civil, sobreveio uma alteração legislativa importante sobre o tema, no artigo 513, §5º[1]. Tal dispositivo traz à tona a orientação que estava estampada na Súmula 205 do TST, já revogada. No entanto, na Justiça do Trabalho, inexiste, atualmente, um posicionamento firmado a respeito da aplicabilidade de tal dispositivo no âmbito do processo do trabalho, em razão de decisões divergentes quanto ao tema.

O Supremo Tribunal Federal, em decisão prolatada pelo Min. Gilmar Mendes, ao apreciar o tema no ARE 1.160.361, cassou a decisão prolatada pelo TST e determinou que outra fosse proferida, observando a cláusula de reserva de plenário e a Súmula Vinculante nº 10, uma vez que a decisão desconsiderou o artigo 513, §5º do CPC.

Importante destacar que, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, estão em trâmite as ADPF 488 (que possui como objeto a inclusão “no cumprimento de sentença ou na fase de execução, pessoas físicas e jurídicas que não participaram da fase de conhecimento dos processos trabalhistas e que não constaram dos títulos executivos judiciais, sob alegação de que fariam parte de um mesmo grupo econômico”) e 951 (cuja discussão envolve a “responsabilidade solidária às empresas sucedidas, diante de simples inadimplemento de suas sucessoras ou de indícios unilaterais de formação de grupo econômico, a despeito da ausência de efetiva comprovação de fraude na sucessão e independentemente de sua prévia participação no processo de conhecimento ou em incidente de desconsideração da personalidade jurídica”).

Considerando toda a celeuma envolvendo o assunto em referência, o Min. Dias Toffoli determinou a “suspensão nacional do processamento de todas as execuções trabalhistas que versem sobre a questão controvertida no Tema nº 1.232 da Gestão por Temas da Repercussão Geral, até o julgamento definitivo deste recurso extraordinário”.

Alguns juízes, inclusive, estão mencionando a possibilidade de ultrapassar a suspensão determinada pelo STF, sob a alegação de o óbice estaria superado em caso de instauração de Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) na fase de execução, oportunidade em que seria possível a realização do contraditório e produção de provas sobre o alegado Grupo Econômico.

No entanto, a produção de provas no âmbito do IDPJ não é tão ampla quanto na fase cognitiva, bem como, a limitação recursal para a interposição de recurso para o TST é gigantesca, considerando que o Recurso de Revista, na fase de execução, só é permitida por afronta direta e literal à Constituição Federal[2].

Neste sentido, ainda que instaurado o IDPJ, eventuais processos que se enquadrem na situação estampada na decisão devem ser suspensos. Por outro lado, a decisão não impede que o processo prossiga em desfavor dos devedores das reclamações trabalhistas que participaram da ação desde o seu nascedouro.

De toda sorte, apesar de tal decisão ser de observância obrigatória por todos os Juízes e Tribunais, é importante que as empresas demonstrem que se encontram na situação indicada na decisão, pugnando pela suspensão do processo e da realização de atos expropriatórios porventura em curso.


[1] Art. 513. O cumprimento da sentença será feito segundo as regras deste Título, observando-se, no que couber e conforme a natureza da obrigação, o disposto no Livro II da Parte Especial deste Código.

§ 5º O cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.

[2] Art. 896 – Cabe Recurso de Revista para Turma do Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas em grau de recurso ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando:

§ 2o Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho ou por suas Turmas, em execução de sentença, inclusive em processo incidente de embargos de terceiro, não caberá Recurso de Revista, salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma da Constituição Federal

A Geração Distribuída de Energia na Lei nº 14.300/22

Diante da necessidade de adoção de meios de geração de energias sustentáveis e como forma de incentivar e regulamentar esta prática, a ANEEL publicou, em 2012, a Resolução Normativa n° 482/2012, estabelecendo as condições gerais para a geração e a compensação de energia elétrica. Com o crescente aumento da adesão às modalidades de geração de energia previstas, surgiu a necessidade de nova regulamentação, o que resultou na publicação da Lei nº 14.300/2022.

A referida lei, conhecida também como Marco Legal da Geração Distribuída de Energia, entrou em vigor em 7 de janeiro de 2022, a fim de regular as condições gerais para o acesso à microgeração e à minigeração de energia, isto é, em suma, para a geração de energia elétrica pelos consumidores com a consequente obtenção de compensações, notadamente, a partir de fontes renováveis, a exemplo da energia solar e da eólica.

As regras do Marco Legal passaram a valer a partir de 07 de janeiro de 2022, mas possibilitaram que os consumidores que, na forma das Resoluções Normativas 482/2012 e 687/2015 da ANEEL, já geravam e compensavam energia ou passaram a fazê-lo até 07 de janeiro de 2023, permaneçam sob o regime previsto pelas Resoluções por mais 25 anos, isto é, até o ano de 2045.

A legislação prevê o desconto referente à energia que foi gerada e injetada na rede pela unidade geradora e consumidora, com a possibilidade de compensação de energia excedente ao consumo desta unidade nas contas de outras unidades consumidoras que estejam na mesma rede de distribuição, de acordo com a modalidade que se adota.

Dentre as modalidades previstas, tem-se o autoconsumo remoto, em que a compensação do excedente ocorrerá em unidade consumidora diversa, mas de titularidade da mesma pessoa física ou jurídica titular unidade geradora. Outra modalidade prevista é a geração compartilhada de energia, em que consumidores diversos se reúnem em consórcio, cooperativa ou outras formas de associação, com o objetivo de compartilhar o excedente oriundo de uma unidade geradora de energia.

Na forma da Lei 14.300/22, o consumidor terá a opção de criar uma ordem de preferência para as outras unidades consumidoras. Assim, se uma pessoa jurídica gera energia a partir de sua matriz e o consumo daquela unidade é inferior à energia injetada na rede, através da opção de preferência, a empresa poderá indicar a sua filial “b”, que irá se beneficiar da compensação antes da filial “c”. 

Importante mencionar que se encontra em tramitação o Projeto de Lei n° 2.703/2022, que prevê dilação do prazo de requerimento aos consumidores que desejam realizar a instalação do sistema solar e terem direito à isenção das taxas previstas no Marco Legal até o mês de julho de 2023. O Projeto, no entanto, ainda não possui data definida para apreciação pelo Senado Federal, sendo incerta a prorrogação.

Mesmo com a incidência de tarifas, que serão aplicadas de forma escalonada até 2029, a geração distribuída de energia proporciona economias significativas e consiste, ainda, em oportunidade de negócios para as empresas do setor energético, exigindo investimentos iniciais que tendem a ser recuperáveis a curto prazo.

– Kristiny Brito e Jamille Santos

LGPD e o PL das Fake News

A recente pauta nacional em torno do Projeto de Lei n° 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, é mais um dos aspectos a ser observado à luz do debate público e suas implicações no ambiente digital. Há controvérsias, porém, quanto à sua eficácia, inclusive em desacordo com a LGPD. Mesmo com a retirada de pauta para votação, ocorrida no último dia 02, mister compreender qual é, de fato, a correlação entre os mencionados institutos.

Alega-se que a nova lei busca combater à desinformação, ao discurso de ódio e a outros conteúdos criminosos no ambiente digital. Por outro lado, apontam-se riscos de as novas regras ferirem a liberdade de expressão, bem como de enevoar o ambiente digital e suas diretrizes, com afronta à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e princípios da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).

O PL, de fato, busca atribuir responsabilidade às plataformas digitais quanto aos conteúdos ilícitos ou ofensivos postados por seus usuários, citando por diversas vezes em seu relatório o Digital Services Act (DSA), aprovado no fim do ano passado pela União Europeia.

Assim como a LGPD, o projeto visa tratar a privacidade e a segurança dos dados digitais, buscando atender às necessidades atuais do mundo digital e abordar as preocupações crescentes sobre o uso inadequado das informações pessoais dos usuários na internet, garantindo que as pessoas tenham controle sobre seus dados pessoais e que possam navegar na internet sem serem expostas a conteúdos falsos ou maliciosos.

Após a migração do centro das discussões políticas para a Internet, as redes sociais tornaram-se uma extensão da realidade, bem como, em contrapartida, um dos pilares da desordem informacional. Na mesma medida, os dados pessoais são o combustível que move a rede algorítmica de distribuição de informações nas redes sociais, e as big techs coletam e analisam os dados pessoais dos seus usuários, a fim de construir modelos de predição e identificar tendências de comportamento, atraindo o marketing direcionado. Daí a interseção a ser pormenorizada neste artigo.

O PL propõe, por exemplo, a criação de um cadastro nacional de usuários de redes sociais e serviços de mensagem privada, o que poderia exigir o armazenamento de dados pessoais sensíveis dos usuários. Essa coleta e armazenamento de dados deveriam ser feitas em conformidade com a LGPD, garantindo a privacidade e a segurança das informações.

Também é proposto o estabelecimento de regras quanto à proteção de dados pessoais, atribuindo competências de regulamentação, fiscalização e aplicação de sanções à “entidade autônoma de supervisão”, levantando a possibilidade de conflito com as competências da ANPD previstas na LGPD e a eventual criação de um novo órgão regulador ou a atribuição de competências a outra entidade, o que pode ter como efeito a fragmentação regulatória e a sobreposição da ANPD, responsável por nortear, através da LGPD, o uso seguro, ético e privado dos dados pessoais, cuja proteção foi recentemente incluída no rol de garantias fundamentais.

Já o caráter punitivo do PL das fake News, em confronto com o intento primordial educativo da LGPD, pode exigir que as plataformas digitais forneçam informações mais detalhadas sobre como esses dados são utilizados para o compartilhamento de notícias falsas, tendo como principais alvos as grandes empresas do ramo tecnológico.

Esse e mais temas que estão previstos na LGPD e sob a tutela da ANPD, foram abordados pelo setor empresarial, representado por grandes Associações de Classe do país, dentre elas a ANPPD e a FECOMÉRCIO/SP, em manifesto pela segurança jurídica e em desacordo com o PL das fake news, uma vez que feriria diretamente a LGPD em pontos nevrálgicos, por pretender legislar sobre temas relacionados.

*Link* em anexo https://abes.com.br/manifesto-do-setor-empresarial-quanto-ao-pl-2630-2020-e-a-lgpd/#:~:text=As%20empresas%2C%20inclusive%20as%20de,na%20solu%C3%A7%C3%A3o%20de%20problemas%20sociais.

As entidades defendem a necessidade de se manter a centralidade da LGPD e da ANPD quanto ao tema “proteção dos dados pessoais” como medida necessária e essencial para a segurança jurídica e harmonização do ambiente regulatório nacional, reconhecendo a importância da discussão sobre novas normas voltadas a combater a disseminação de informações falsas na internet, e mitigando o risco de insegurança à LGPD, amplamente debatida no processo legislativo e social.

Atualmente, conforme o Marco Civil da Internet, as big techs não têm responsabilidade pelo conteúdo criado por terceiros e compartilhado em suas plataformas. Dentro desse princípio, as empresas só são obrigadas a excluir conteúdos impróprios em caso de decisão judicial.

Em caso de aprovação do PL, as plataformas poderão ser responsabilizadas civilmente pela circulação de conteúdos que se enquadrem em crimes já tipificados na lei brasileira, sem os parâmetros de proteção do Marco Civil da Internet e com as novas ameaças de multas, estímulo à remoção de discursos legítimos, resultando, possivelmente, em um bloqueio excessivo e uma nova forma velada de censura. Entende-se, portanto, que a linha tênue entre a benevolência no dever de proteção do ambiente público e o exagerado amontoado de entraves às plataformas digitais carrega, obviamente, diversas controvérsias. O consenso da necessidade de atitudes para conter a disseminação de notícias falsas, discurso de ódio e mensagens criminosas, bem como o do uso indiscriminado dos dados pessoais dos usuários pode e deve ser alinhado, com observância ao cumprimento da legislação já vigente e sua utilização de acordo com os parâmetros em construção.

– André Garcia Filho

Multa imposta pela Receita Federal em pedido de compensação não homologado é declarada inconstitucional

Em sessão virtual encerrada no dia 17/03/23, o STF concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 796.939/RS (Tema 736 da Repercussão Geral) e declarou inconstitucional a multa isolada de 50%, aplicada pela RFB sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada.

Como é sabido, o Código Tributário Nacional estabelece ao contribuinte que apurar crédito relativo a tributo administrado pela RFB o direito de utilizá-lo na compensação de débitos próprios, vencidos ou a vencer, no prazo de cinco anos contados do recolhimento indevido.

Como regra geral na esfera federal, esse procedimento tem como marco inicial a apresentação do PER/DCOMP à RFB, que, após análise, terá cinco anos para homologar o pedido ou formalizará o indeferimento da restituição ou a não homologação da compensação efetuada.

Quando a compensação não era homologada, a Receita Federal estava autorizada a exigir do contribuinte uma multa isolada de 50%, calculada sobre o débito que originou a compensação não homologada, com acréscimo de juros (Artigo 74, §§ 15 e 17, da Lei 9.430/96).

Após anos de discussão acerca da ilegalidade da multa nesses casos, cuja manutenção vinha criando riscos financeiros ao contribuinte que agiu de boa-fé ao apurar indébito e proceder com a compensação dos valores, finalmente o STF pacificou a matéria para fixar a seguinte tese: “É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”.

A partir de então, caso o contribuinte não obtenha êxito na homologação de compensações, a RFB apenas poderá aplicar a multa moratória, a ser fixada em patamar máximo de 20% (Art. 61, caput e §2º, da Lei 9.430/96).

De igual forma, o precedente deverá ser aplicado a todos os casos que versem sobre a matéria, bem como poderá ser utilizado como fundamento para a restituição dos valores pagos indevidamente pelos contribuintes nos últimos cinco anos.

– Letícia Gibson