Prazo para formular pedido principal após deferimento da tutela de urgência é contado em dias úteis, decide STJ

No julgamento do EREsp 2066868, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o  prazo de 30 dias para apresentar o pedido principal após a concessão da tutela cautelar antecedente, de acordo com o artigo 308 do Código de Processo Civil (CPC), é de natureza processual e, consequentemente, deve ser contado em dias úteis, conforme estabelecido pelo artigo 219 do CPC.

A decisão, de suma importância, uniformizou o entendimento das Turmas do Superior Tribunal de Justiça, haja vista que para a Terceira Turma o prazo teria natureza processual e, por isso, deveria ser contado em dias úteis e, para a Primeira Turma, o prazo, de natureza decadencial, deveria ser contado em dias corridos.

No caso concreto, o processo se iniciou com um pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, por meio da qual buscou-se a sustação dos protestos de títulos realizados em nome da parte Autora.

O juízo de primeiro grau deferiu o pedido de concessão de tutela provisória cautelar e determinou a apresentação do pedido principal no prazo de 30 (trinta) dias, nos termos do art. 308 do CPC.

A parte não apresentou o pleito principal em 30 dias corridos e, por conseguinte,  a Ré requereu o  reconhecimento da decadência , o que não foi acolhido pelo juízo de primeiro grau, com fundamento no entendimento de tratar-se de prazo de  natureza processual.

Irresignada, a parte Ré apresentou agravo de instrumento contra a referida decisão e teve suas alegações acolhidas. A Autora, por sua vez, apresentou embargos de declaração e, após rejeitados, interpôs Recurso Especial.

O propósito recursal consistiu em definir se houve negativa de prestação jurisdicional e qual a natureza do prazo previsto no art. 308 do CPC – processual ou decadencial, para a formulação do pedido principal no procedimento da tutela cautelar requerida em caráter antecedente.

Seguindo o entendimento da parte Autora, ora recorrente, a Terceira Turma do STJ entendeu que o lapso temporal previsto no artigo 308 do CPC têm natureza processual, devendo ser contado em dias úteis, consoante o previsto no artigo 219 do CPC.

Por fim, a parte recorrida, insatisfeita com a decisão, apresentou embargos de divergência, oportunidade em que sustentou que o acórdão embargado, ao decidir que o prazo de 30 (trinta) dias para a apresentação do pedido principal teria natureza processual, divergiu do acórdão paradigma prolatado pela Primeira Turma do mesmo tribunal (AgInt no REsp 1.982.986/MG, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 22/6/2022), que entendeu se tratar de prazo de natureza material (decadência), contado em dias corridos.

Ao analisar o  recurso, o Ministro Relator Sebastião Reis Junior proferiu o seguinte entendimento “Resta claro que o prazo de 30 dias previsto no artigo 308 do CPC é para a prática de ato no mesmo processo. A consequência para a não formulação do pedido principal no prazo de 30 dias é a perda da eficácia da medida concedida (artigo 309, inciso II, do CPC/2015), sem afetar o direito material”, completou.

No entendimento do Relator, a inovação legislativa, com a alteração profunda do sistema da tutela cautelar antecedente, deixa claro que o prazo do artigo 308 do CPC é de natureza processual, concluindo com a seguinte frase “Como desdobramento lógico, sua contagem deverá ser realizada apenas considerando os dias úteis“. Desta forma, não restam dúvidas que o prazo processual para formular o pleito principal, após deferimento da tutela, deverá ser contado em dias úteis, encerrando-se as discussões no âmbito das Turmas do Superior Tribunal de Justiça.

Da responsabilidade do banco por vazamentos de dados que resultaram na aplicação do “golpe do boleto”

No julgamento do REsp 2.077.278, ocorrido em 09/10/2023, a 3ª turma do STJ entendeu que as instituições bancárias respondem pelo vazamento de dados pessoais sigilosos do consumidor, relativos a operações e serviços bancários, obtidos por criminosos para a prática de fraudes como o “golpe do boleto”.

Sabe-se do crescente número de estelionatos ocorridos na era digital, bem como da existência de golpistas que se passam por funcionários de um banco e emitem boleto falso para receberem indevidamente o pagamento feito pelo cliente.   

No caso concreto, trata-se de ação de declaratória de inexigibilidade de débito por vazamento de dados bancários cumulada com indenização por danos morais e repetição de indébito, através da qual a Autora informou que havia solicitado informações acerca da quitação do financiamento via e-mail, tendo sido contatada via WhatsApp para quitação da dívida, oportunidade em que realizou o pagamento do boleto falso, no valor que girou em torno de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

A sentença de primeiro grau condenou o banco a considerar a dívida quitada mediante o pagamento do boleto falso e a devolver o valor que foi pago a partir de então, com correção e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês.

No julgamento de segundo grau, entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP),  que o golpe contra a cliente foi aplicado por meio de negociações realizadas de maneira informal, afastando a responsabilidade do banco com base no fundamento de que os dados do boleto falso divergiam dos dados constantes do contrato de financiamento, imputando a responsabilidade à consumidora que “falhou em seu dever de segurança e cautela”.

A consumidora, então, apresentou recurso especial, tendo o STJ decidido por reformar o acórdão do TJSP, restabelecendo a sentença que condenou o banco a declarar válido o pagamento realizado por meio de boleto fraudado e devolver à cliente parcelas pagas indevidamente em contrato de financiamento.

Nos fundamentos do Recurso Especial, a ministra Nancy Andrighi entendeu que, no caso concreto, houve  defeito na prestação do serviço (art. 14 do CDC e art. 44 da LGPD), vez que os criminosos teriam conhecimento de informações e dados sigilosos a respeito das atividades bancárias da consumidora.

Isto é, os estelionatários sabiam que a consumidora era cliente da instituição e havia encaminhado e-mail a fim da quitação da dúvida, além destes terem conhecimento dos dados relativos ao próprio financiamento (quantidade de parcelas em aberto e saldo devedor).

Segundo a Ministra, não poderia ser imputado ao banco a responsabilidade exclusiva no caso de vazamento de dados cadastrais básicos, como nome e CPF, vez que de fácil acesso. Por outro lado, pontuou que, caso os dados do consumidor sejam vinculados a operações e serviços bancários, a instituição tem o dever de armazenamento e proteção, sob pena de eventual vazamento configurar falha na prestação do serviço.

Assim, seguiu-se o entendimento de que há, portanto, a necessidade de analisar o nexo de causalidade. Isso porque resta imprescindível averiguar a situação fática para analisar quais dados foram vazados, a fim de examinar a origem de eventual vazamento e, por consequente, a responsabilidade das pessoas envolvidas.

Do contrário, pontuou a Ministra Relatora que “inexistindo elementos objetivos que comprovem esse nexo causal, não há que se falar em responsabilidade das instituições financeiras pelo vazamento de dados utilizados por estelionatários para a aplicação de golpes de engenharia social (REsp 2.015.732/SP, julgado em 20/6/2023, DJe de 26/6/2023)”. Por todo o exposto e, de acordo com a recente decisão já transitada em julgado, o STJ firmou o entendimento de que o banco responde pelo vazamento de dados pessoais sigilosos do consumidor, relativos a operações e serviços bancários, obtidos por criminosos para a prática de fraudes como o “golpe do boleto”.

Notificação por e-mail, em ação de busca e apreensão, não comprova mora do devedor

“Em julgamento do REsp 2022423, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, estabeleceu que, em ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei 911/1969, é inadmissível a comprovação da mora do réu mediante o envio da notificação extrajudicial por e-mail. 

Sabe-se que é crescente uso de ferramentas digitais para o exercício da comunicação, inclusive, o judiciário vem adotando medidas para o acesso rápido e econômico, tais como Juízo 100% Digital, o Balcão Virtual, a Plataforma Digital do Poder Judiciário, a Base de Dados Processuais do Poder Judiciário (DataJud) e a implantação do sistema Codex, que consolida bases de dados processuais para prover conteúdo textual de documentos.

Neste ponto  afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi “Se é verdade que, na sociedade contemporânea, tem crescido o uso de ferramentas digitais para a prática de atos de comunicação de variadas naturezas, não é menos verdade que o crescente uso da tecnologia para essa finalidade tem de vir acompanhado de regulamentação que permita garantir, minimamente, que a informação transmitida realmente corresponde àquilo que se afirma estar contido na mensagem e que houve o efetivo recebimento da comunicação”

Seguindo este entendimento que se firmou a tese de que em ação de busca e apreensão regida pelo Decreto-Lei nº 911/1969, seria inadmissível a comprovação da mora do réu mediante o envio da notificação extrajudicial por e-mail, negando provimento ao recurso especial de um banco contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).

Em análise ao caso concreto, cumpre salientar que o Banco Recorrente, arguiu a tese de que a comunicação dirigida ao endereço eletrônico seria válida para constituir em mora o devedor fiduciante, oportunidade na qual tais fatos seriam comprovados ao desenvolver da instrução processual.

A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia, comumente utilizada nos empréstimos bancários. Nesta modalidade o devedor dá como garantia propriedade, ao passo que mantém a posse direta do bem, ficando a instituição financeira credora e proprietária até que seja realizado o adimplemento de todas as parcelas do financiamento/empréstimo pelo Devedor.

Em caso de inadimplemento do Devedor, o Decreto-Lei nº 911/1969 faculta ao credor o ajuizamento de ação de busca e apreensão, conforme prevê o artigo 3º da referida lei, para que possa vender o bem a terceiro, e aplicar o valor obtido em seu crédito e nas despesas decorrentes, devolvendo o percentual restante ao Devedor.

Ocorre que, a fim de viabilizar a concessão de liminar na ação de busca e apreensão, seria necessária a comprovação da mora, nos termos do § 2º do art 2.º do Decreto-Lei nº 911/1969.

Anteriormente, exigia-se a comprovação da constituição em mora por carta registrada em cartório ou por meio de protesto do título, entretanto, após a alteração do Decreto-Lei nº 911/1969 pela Lei nº 13.043/2014, passou-se a permitir o envio de “carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.”

Neste ponto, embora a alteração da lei possibilitasse a flexibilidade quanto ao meio de comprovação de mora, destaca a ministra Nancy Andrighi que a alteração do decreto “não pode ser interpretada como se a partir de então houvessem múltiplas possibilidades à disposição exclusiva do credor, como, por exemplo, o envio da notificação por correio eletrônico, por aplicativos de mensagens ou redes sociais”

Desta feita, em que pese seja comprovado o recebimento e leitura pelo Devedor, este meio de constituição de mora não seria possível nesta hipótese, uma vez que não seria possível considerar que, com o envio por e-mail, a notificação extrajudicial atingiu a sua finalidade, pois a ciência inequívoca quanto ao recebimento demandaria o exame de vários aspectos, tais como: existência de correio eletrônico do devedor fiduciante, o efetivo uso da ferramenta por parte dele, estabilidade e segurança da ferramenta de e-mail, entre outros. Desse modo, por unanimidade, fora conhecido em parte do recurso especial interposto pelo Banco para negar-lhe provimento, sendo firmada a tese de que “Notificação por e-mail, em ação de busca e apreensão, não comprova mora do devedor”.

STJ fixa prazo para emissora guardar registros televisivos em arquivo

No julgamento do REsp 1.602.692, ocorrido em 03/10/2023, a 3ª turma do STJ fixou que emissora de televisão deve guardar registros televisivos em arquivo, com vistas a fomentar eventual ação de responsabilidade civil, até prescrição ou decadência do direito correspondente aos atos nele consignados.

O colegiado ressaltou, ainda, que nos casos que a lei não tenha fixado um prazo específico deve incidir, por analogia, a disposição contida no art. 1.194, do CC.

No caso concreto, o Superior Tribunal de Justiça guiando-se pelo entendimento supracitado, negou seguimento ao recurso especial da emissora, mantendo incólume as decisões proferidas em instâncias inferiores, que determinaram a entrega de mídia referente  a reportagem exibida em novembro de 2010.

Em seus argumentos meritórios, a emissora alegou que, no momento da solicitação da entrega, o arquivo que continha a reportagem havia sido destruído e que inexistira obrigação legal  de apresentar o arquivo requerido, nos termos do artigo 71, parágrafo 3º do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962), que prevê que o material deve ser guardado por apenas 20 dias.

No entanto, em que pese os argumentos trazidos em sede recursal, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva observou que essa regra teria a finalidade única de assegurar a aplicação das penalidades cabíveis às emissoras nos âmbitos administrativo e criminal, não tendo nenhuma relação com eventual transgressão ao direito de terceiros.

Neste sentido, em razão da inexistência de norma acerca do prazo para manutenção e guarda dos materiais, entende o Superior Tribunal de Justiça que se deve, por analogia, aplicar o 1.194 do Código Civil, segundo o qual o empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.

Assim, de acordo com a recente decisão, ainda transitada em julgado, devem os canais brasileiros de televisão manter em arquivo todo seu conteúdo exibido pelo prazo mínimo de três anos, considerando ser este o prazo prescricional indicado pelo Código Civil no que tange à reparação por responsabilidade civil (Art. 206, § 3º, V), sendo recomendável, acaso a decisão se torne definitiva, e conforme o caso, uma revisão dos procedimentos internos das emissoras para manutenção das mídias em seus arquivos pelo prazo mínimo de três anos.

O julgamento pode ser assistido através do link: https://www.youtube.com/watch?v=7CcMHduR_P4 , no minuto 52:00 ao 54:38min.