O Superior Tribunal de Justiça afasta o Código de Defesa do Consumidor em quebra antecipada de contrato com alienação fiduciária

A quebra antecipada de um contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária não acarreta a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor. Nesse cenário, as disposições da Lei 9.514/1997 continuam em vigor. Com base nessa interpretação, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial interposto por uma empresa incorporadora de imóveis, a fim de evitar a obrigação de reembolsar parte dos pagamentos efetuados por um comprador que desistiu do contrato.

A desistência, neste caso específico, ocorreu porque o comprador, antecipadamente, percebeu que não teria condições de cumprir com as obrigações financeiras. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) decidiu que ele tinha o direito de receber um reembolso parcial referente ao que já havia pagado. O TJRN aplicou a Súmula 543 do STJ ao caso, a qual determina que a rescisão de um contrato de compra e venda de imóvel sujeito ao CDC resulta em reembolso parcial das parcelas ao comprador, com uma retenção de 25% pelo vendedor.

Entretanto, esse contrato envolve uma garantia de alienação fiduciária, na qual a propriedade do imóvel é transferida para a instituição financeira que forneceu o financiamento e só é restituída quando a dívida é totalmente quitada.A incorporadora solicitou, portanto, a aplicação do procedimento previsto na Lei 9.514/1997, que estabelece que, caso a dívida não seja paga integralmente ou em parte, a propriedade do imóvel é consolidada em nome do credor fiduciário. Em seguida, o credor deve realizar um leilão público do bem em até 30 dias, com o intuito de quitar a dívida, incluindo juros convencionais, penalidades, encargos contratuais e custas do leilão. Qualquer valor excedente, se houver, deve ser entregue ao devedor.

A 3ª Turma do STJ já havia estabelecido um precedente em 2020 indicando que, em casos de incapacidade financeira do comprador para cumprir com as parcelas, o procedimento da Lei 9.514/1997 deve ser seguido. Essa posição foi reafirmada pela ministra Nancy Andrighi, relatora do caso atual. Para a ministra Nancy Andrighi, mesmo quando o comprador antecipa a quebra do contrato, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor deve ser descartada. Isso ocorre porque, ao declarar sua intenção de não cumprir o contrato, o comprador torna iminente seu futuro inadimplemento, o que é suficiente para aplicar a Lei 9.514/1997.

Essa decisão é significativa, pois em outubro do ano anterior, a 2ª Seção do STJ estabeleceu uma tese afirmando que o CDC não se aplica em casos de rescisão de contratos de compra e venda de imóveis com garantia de alienação fiduciária. O colegiado entendeu que a Lei 9.514/1997 é mais recente e específica em relação ao Código de Defesa do Consumidor, prevalecendo sobre este último.

Todavia, havia uma dúvida se essa tese se aplicaria em casos de rescisão antecipada do contrato, uma vez que essa é uma prática sem regulamentação legal no Brasil, mas amplamente utilizada em processos. A ministra Nancy Andrighi, porém, concluiu que, mesmo em tais circunstâncias, o Código de Defesa do Consumidor não deve ser aplicado. Isso ocorre porque, ao manifestar sua intenção de não cumprir o contrato, o comprador já deixa claro seu futuro inadimplemento, o que é suficiente para justificar a aplicação da Lei 9.514/1997.

Em resumo, a decisão da 3ª Turma do STJ enfatiza a importância da Lei 9.514/1997 em contratos de compra e venda de imóveis com garantia de alienação fiduciária, mesmo quando ocorre a quebra antecipada do contrato pelo comprador. Isso assegura a estabilidade no mercado e protege os interesses das partes envolvidas.

Acórdão na íntegra: REsp 2.042.232.