Devedor não precisa morar no imóvel para que ele tenha proteção de bem de família, decide STJ

Em decisão recente, de fevereiro de 2025, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que não é necessário que o devedor resida no imóvel para que ele receba a proteção da impenhorabilidade de bem de família, conforme previsto pela Lei 8.009/1990. A decisão foi tomada em um recurso especial (REsp 2.142.338) interposto por um credor que alegava fraude à execução após a devedora ter doado um imóvel para seus pais.

A controvérsia começou quando a devedora, antes de ser citada no processo de execução, mas já ciente de sua inclusão no polo passivo, transferiu a propriedade de um imóvel para seus pais. Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo tivesse reconhecido fraude à execução, a penhora foi afastada, pois o imóvel em questão já havia sido ocupado pelos pais da devedora desde 2014, antes mesmo da execução da dívida, e continuaram a residir ali.

No âmbito do STJ, o credor alegou que a doação se tratava de fraude à execução, defendendo que o imóvel não deveria ser protegido pela impenhorabilidade do bem de família, já que havia sido doado. No entanto, a ministra Nancy, relatora do caso, destacou que a análise para verificar a fraude à execução deve se basear na mudança da destinação original do imóvel. Nesse caso, como o imóvel já era utilizado como residência da família e continuou sendo utilizado para o mesmo fim após a doação, não há razão para a perda da proteção conferida pela lei.

A ministra ressaltou que, de acordo com o art. 5º da Lei 8.009/1990, para que o imóvel seja protegido, basta que seja o único bem da família e seja utilizado com a finalidade de moradia permanente, independentemente de ser o devedor quem resida no local. No caso em questão, o fato de os pais da devedora possuírem usufruto vitalício do imóvel, usufruindo do direito de morar ali, foi considerado suficiente para caracterizar o imóvel como bem de família.

Portanto, o STJ entendeu que a proteção de bem de família é válida mesmo quando o proprietário não reside no imóvel, desde que o bem seja o único da família e seja utilizado para moradia permanente, como estabelece a legislação. A decisão reafirma a importância da Lei 8.009/1990 no resguardo da moradia familiar, evitando que a residência seja alvo de penhoras em caso de dívidas, desde que atendidos os critérios legais. O entendimento consolidado pelo STJ tem grande relevância, pois reforça a proteção do patrimônio familiar e a segurança jurídica das famílias que utilizam seus bens para moradia, assegurando que imóveis destinados ao abrigo familiar não sejam usados de forma indevida para o pagamento de dívidas, mesmo quando transferidos para outros membros da família.

Criptografia de ponta a ponta não afasta responsabilidade solidária do whatsapp em caso de vazamento de conteúdo íntimo, decide STJ

A Ministra Nancy Andrighi consolidou a responsabilidade solidária do aplicativo de mensagens whatsapp aplicando as normas do Marco Civil da Internet diante da ausência de remoção imediata de conteúdo íntimo compartilhado após término de relacionamento amoroso.

O Marco Civil da Internet, legislação em vigor desde 2014, estabelece, em regra, a ausência de responsabilidade do provedor de aplicações de internet por conteúdos gerados e divulgados por terceiros.

Porém, como exceção, firma o dever de remoção do conteúdo mediante ordem judicial. Caso o provedor não tome as providências necessárias para tornar indisponível o material ilícito, será, então, responsabilizado civilmente pelos danos gerados.

A legislação também excepciona de forma mais específica, tratando da violação da intimidade decorrente da divulgação sem autorização de imagens ou vídeos contendo cenas de nudez ou atos sexuais, assinando que basta que o provedor seja notificado para que possua o dever de remoção imediata do conteúdo, sob pena de responsabilização solidária.

O cuidado do legislador se alinha com a necessidade de proteção da vida privada em meios céleres de compartilhamento de informações, onde o alcance e consequente lesividade possuem impactos significativos.

Foi exatamente nesse sentido que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 2.172.296-RJ em 04/02/2025, decidiu que “O provedor do aplicativo de mensageria privada (WhatsApp) responde solidariamente quando, instado a cumprir ordem de remoção de conteúdo relacionado a imagens íntimas compartilhadas sem autorização (pornografia de vingança), não toma providências para mitigar o dano.

Ao entender pela responsabilização, o STJ considerou que a empresa Meta, responsável pelo whatsapp, violou a legislação brasileira ao não remover conteúdo sexual compartilhado após ordem judicial, alegando impossibilidade técnica diante da criptografia de ponta a ponta que lhe impossibilitaria de ter acesso ao conteúdo das mensagens trocadas.

O entendimento do STJ tem sido construído no sentido de ser avaliado se realmente há uma impossibilidade tecnológica ou uma resistência dos provedores para evitar acusações de censura ou violação da liberdade de expressão. Além da necessidade de perícia para comprovação da alegação, um dos parâmetros utilizados é se há medidas técnicas alternativas a serem aplicadas pelos provedores de aplicações na internet para mitigar ou estancar o dano sofrido pela vítima e se tais providências foram tomadas.

No caso concreto submetido ao exame do Tribunal Superior, os Julgadores destacaram que o aplicativo deixou de adotar medidas equivalentes para eliminar ou mitigar o dano, como por exemplo a suspensão ou banimento das contas infratoras, considerando que os violadores eram plenamente identificáveis.

Dessa forma, ainda que a regra seja a responsabilidade exclusiva do usuário que divulgou o conteúdo ilícito, tem-se consolidada a possibilidade de responsabilização solidária do provedor de internet que tente se isentar dos seus deveres de segurança digital ao alegar impossibilidades técnicas não comprovadas, ausente a diligência esperada para mitigação das graves violações denunciadas.


Por: Mayara Morais