A nova regra do foro de eleição

No último dia 05/06/2024 ocorreu uma importante alteração no Código de Processo Civil, com a promulgação da Lei n° 14.879/2024.

A nova legislação trouxe alterações importantes para o Código de Processo Civil quanto à cláusula de eleição de foro nos contratos civis em geral, impondo certos limites à escolha pelas partes contratantes.

A mencionada Lei alterou a redação do §1º, do artigo 63 e incluiu o §5º ao suso mencionado artigo, os quais possuem os seguintes comandos legislativos:

§ 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor.

§ 5º O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício.

Percebe-se, pois, a partir da leitura das novas regras que a eficácia da cláusula de eleição de foro está condicionada à verificação dos seguintes requisitos (cumulativamente): (i) ser escrita (não se admite eleição de foro em contrato verbal);    (ii) aludir a determinado negócio jurídico; e, (iii) guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação. 

Não havendo o cumprimento dos requisitos, o ato praticado será considerado como uma prática abusiva, justificando a declinação da competência de ofício.

De certa forma, a nova legislação “limita a liberdade das partes de colocar o foro que entendem como o melhor para decidir um eventual litígio”. Viola, inclusive, a Lei da Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/2019), segundo a qual “os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes”. Por tais motivos a nova Lei vem sendo criticada pelos operadores do Direito, que questionam, inclusive, a sua constitucionalidade.

Deixando de lado as críticas, a nova Lei deve respeitar o direito intertemporal, previsto no artigo 14 do Código de Processo Civil, que assim dita:

Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.

Ou seja, a observância do novo regramento para fixação do foro de eleição só deve ter cabimento para os contratos celebrados a partir da sua vigência.

Desta forma, pode-se dizer que, apesar do novo regramento para a questão do foro de eleição, em razão do direito intertemporal, não será possível a retroatividade para: (i) desfazer negócios; (ii) para alcançar negócios celebrados com efeitos jurídicos pendentes; ou, (iii) para alcançar efeitos jurídicos futuros do negócio jurídico praticado.

Para além do acima, importante destacar que a reforma do artigo 63 do Código de Processo Civil se limita, exclusivamente, a eleição de foro, que é totalmente diferente da eleição de Cortes Arbitrais.

Apesar das Cortes exercerem um papel jurisdicional e suas sentenças terem força de título judicial, não fazem parte dos órgãos do Poder Judiciário, razão pela qual o instituto arbitral é regido pelo artigo 42 do Código de Processo Civil e pela Lei nº 9.307/96.

Nestes casos, a Corte Arbitral deverá ser mantida como prioritária e o juiz só poderá declinar de sua competência, após a alegação do réu, em questão de preliminar de contestação em contraditório, como preconiza o artigo 337, inciso X, do Código de Processo Civil, bem assim, a Súmula 33 do STJ. Caso contrário, haverá a prorrogação de competência na forma dos artigos 64 e 65, ambos, do Código de Processo Civil. De toda forma, cabe ao operador do Direito acompanhar o posicionamento da jurisprudência a respeito da nova regra de estabelecimento do foro de eleição, para que possa realizar a melhor entrega ao seu cliente, quando da elaboração de um  contrato civil e empresarial.

Sancionada Lei nº 14.905/24 que altera o Código Civil e Regulamenta Regras de Atualização Monetária e Juros.

Há muito se discute sobre os índices de correção monetária e juros nos contratos de dívida sem taxa convencionada, em ações por perdas e danos. Tal discussão se intensificou com a sanção do Código Civil de 2002 (Lei nº 14.406/2002), visto que não houve padronização dos índices.

Nesse sentido, visando uniformizar as regras com intuito de reduzir discussões judiciais e extrajudiciais sobre o tema, foi proposto o projeto de Lei nº 6.233/2023 de autoria do Poder Executivo.

A proposta visava alterar o Código Civil para resolver a situação de insegurança jurídica na aplicação de juros e correção monetária nos contratos de dívida sem taxa convencionada, em ações por perdas e danos e em débitos trabalhistas.

Levado a aprovação nas casas legislativas, o projeto foi aprovado e sancionado com o texto da Lei nº 14.905/2024 publicado no Diário Oficial da União do dia 01 de julho de 2024.

Em breve resumo, A Lei nº 14.905/2024 altera o Código Civil para estabelecer que, quando um contrato não explicitar o índice de atualização monetária nem houver lei especificando, será usada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ou outro índice que vier a substituí-lo.

Além disso, há previsão de que o Conselho Monetário Nacional (CNM) será o responsável pela metodologia de aplicação da taxa legal. Já o Banco Central deverá disponibilizar em seu site uma calculadora que permita simular o uso da taxa de juros legal.

A lei estabelece ainda que, caso a taxa legal apresente resultado negativo, será considerado igual a zero para efeito de cálculo dos juros no período de referência.

Ademais, também deverá ser aplicada em contratos de empréstimos quando não houver uma outra taxa específica convencionada, em dívidas condominiais, nos juros por atraso no cumprimento de obrigação negocial, quando não houver taxa convencionada entre as partes, na responsabilidade civil decorrente de ato ilícito e nas perdas e danos de modo amplo.

No caso das dívidas trabalhistas, a lei estabelece que, quando não pagas pelo empregador nos prazos definidos pela legislação, incidirão juros calculados com a taxa legal, a partir do ajuizamento da reclamação ou da celebração do acordo extrajudicial e aplicados proporcionalmente ao tempo, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação.

Por fim, em seu artigo 3º, a Lei nº 14.905/2024 também flexibiliza o Decreto-Lei 22.626/1933. Conhecido como Lei da Usura, o decreto proíbe a cobrança de taxa de juros superior ao dobro da taxa legal e a cobrança de juros compostos (juros sobre juros).

Com a mudança legislativa, a Lei da Usura passa a não se aplicar em algumas hipóteses, quais sejam, (i) às operações contratadas entre pessoas jurídicas; (ii) às obrigações representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários; (iii) às dívidas contraídas perante fundos ou clubes de investimentos; (iv) às operações de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central; (v) aos fundos ou clubes de investimento; (vi) às sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito; e, (vii) organizações da sociedade civil de interesse público que se dedicam à concessão de crédito.

Decisão do CNJ restringe o número de autorizados a constituir alienação fiduciária de imóveis através de instrumento particular

A alienação fiduciária é uma das garantias reais mais seguras, motivo pelo qual é amplamente adotada pelas instituições que fazem parte do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), bem como pelas Cooperativas de Crédito e pelas Administradoras de Consórcio de Imóveis. Entre particulares, também é viável, contudo, a sua formalização deve ser feita por meio de instrumento público.

Esse foi o entendimento adotado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 05 de junho de 2024, que modificou o Código de Normas Nacional, através do Provimento nº 172/2024, incluindo uma previsão explícita sobre o assunto. Antes dessa decisão definitiva do CNJ, havia divergências interpretativas entre os Estados. Em Minas Gerais, por exemplo, a alienação fiduciária entre particulares só poderia ser feita por meio escritura pública, enquanto em São Paulo era permitida por meio de instrumento particular.

Dessa forma, a possibilidade de formalizar a alienação fiduciária, por instrumento particular, passou a ser exclusiva para os participantes do SFI e do SFH, bem como para as Cooperativas de Crédito e para as Administradoras de Consórcio de Imóveis. Considerando que as exceções devem ser interpretadas de maneira restritiva, a regra geral é a utilização de escritura pública para transações imobiliárias que envolvam valores superiores a 30 salários mínimos.

A respeito desse tema, o CNJ já havia se pronunciado, em 09 de agosto de 2023, por meio do Procedimento de Controle Administrativo nº 0000145-56.2018.2.00.0000, afirmando que a lavratura de escritura pública é indispensável para a realização de alienações fiduciárias por organizações que não integram o SFI e o SFH.

Vale destacar que a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo (CGJ/SP), através do Provimento nº 21/2024, estabeleceu que no Estado, os contratos de alienação fiduciária celebrados por instrumento particular, antes da vigência do Provimento nº 172/2024 do CNJ, serão admitidos com força de escritura pública, mesmo que formalizados por particulares.

Em linhas gerais, portanto, a consequência mais relevante dessa decisão do CNJ é o aumento considerável dos custos associados às transações e operações garantidas por alienação fiduciária. Além disso, os procedimentos necessários para a lavratura e registro de escrituras públicas tendem a ser mais burocráticos e demorados, mas argumenta o CNJ que dada decisão traz mais segurança jurídica para o setor imobiliário, além da uniformização da prática entre os tribunais estaduais.

Confira na íntegra a decisão: CN-CNJ. Pedido de Providências n. 0008242-69.2023.2.00.0000, Relator Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão, julgada em 05/06/2024.

Gestação Solidária

Destaque nos principais portais de notícia da última semana, o casal Paulo e Rômulo revelou os desafios enfrentados para realização do sonho da paternidade com a colaboração de uma amiga que, solidariamente, se disponibilizou para gestar. No mês do Orgulho LGBTQIA+, Maria Clara Magalhães faz breves digressões sobre o tema à luz da legislação brasileira.

A barriga solidária no Brasil, também chamada de útero de substituição, é um tratamento disponibilizado pela Medicina Reprodutiva que consiste na geração de um bebê com material genético (óvulo) de uma mulher, mas gestado no útero de outra pessoa.

Sendo assim, a gestação de substituição representa uma possibilidade não apenas para mulheres com problemas de saúde que impeçam ou contraindiquem a gravidez, mas também para pessoas solteiras ou em uniões homoafetivas.

No que concerne a casais homossexuais ou produções independentes, em razão da impossibilidade do fornecimento de ambos os materiais genéticos, é necessário recorrer a um banco gametas e, com o apoio de uma barriga solidária, o embrião é transferido ao útero da mulher que vai gestar o bebê para os pais biológicos.

Trata-se de um tratamento permitido por lei e devidamente regulado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). As normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida encontram-se descritas na Resolução CFM nº 2.168/2017, recentemente atualizada pela Resolução CFM nº: 2.320/22, existindo expressa previsão sobre a utilização de barriga solidária, no “Capítulo VII – Sobre a Gestação de Substituição” da referida resolução.

Há alguns requisitos a serem preenchidos para conferir aptidão para realização da técnica, entre os quais destaca-se

  1. A cedente temporária do útero deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau, sendo permitida a realização por parentes mais distantes ou sem relação consanguínea, desde que haja autorização do Conselho Regional de Medicina. Em qualquer das hipóteses, a cessão temporária do útero não pode ter caráter lucrativo ou comercial.
  2. Todo o processo deverá ser devidamente documentado, devendo as clínicas de reprodução assistida inserirem no prontuário da paciente as diversas informações exigidas pela norma, a exemplo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero.

O exemplo vivenciado pelo casal Paulo e Rômulo é um grande mote para reflexão sobre a necessidade de atualização constante do Direito das Famílias, o qual, para ser efetivo, deve acompanhar as necessidades e nuances da sociedade contemporânea.

A família brasileira passou por processos de modificação em sua estrutura. A Constituição Federal de 1988 foi o marco inicial para o reconhecimento de novos modelos familiares e atualização da visão de família, que passou a ser pautada principalmente pelo afeto. Neste jaez, permitiu o reconhecimento das diversas modalidades de família e, por consequente, assegurou a estas novas estruturas familiares os mesmos direitos e deveres de qualquer outro modelo familiar. Conferir a através de um permissivo legal, a possibilidade de dispor da generosidade e de um ato de amor, capaz de transformar vidas em situações excepcionais, se mostra mais um importante instrumento para o reconhecimento das estruturas familiares coadunado com a realidade e proteção de direitos.

TST valida uso de provas digitais de geolocalização para verificação de alegação de jornada extraordinária

Na última semana, a Subseção II Especializadas em Dissídios Individuais (SDI-II) proferiu decisão no sentido de deferir, por maioria, a utilização de prova digital de geolocalização no processo do trabalho em ações que versem sobre a realização (ou não) de jornada extraordinária.

A temática tem sido bastante discutida nos últimos anos por ser alvo de controvérsia em relação a sua violação (ou ausência dela) de princípios constitucionais ligados, principalmente, à privacidade e intimidade do empregado.

Contudo, é de se destacar que a partir da informatização do processo judicial, desde a implementação do PJE, bem como da sua brusca intensificação advinda da pandemia da COVID-19, a realidade processual no âmbito nacional vem sendo modificada, fazendo com que se torne ilógico que, com tantas mudanças, as relações trabalhistas e suas relativas regras estejam limitadas à interpretação dada pelo entendimento de legisladores contemporâneos da década de 40 de 80.

É incontestável a necessidade de que os preceitos Constitucionais e Trabalhistas grafados no século passado estejam alinhados à realidade contemporânea, na qual a utilização de mecanismo tecnológicos jamais se tornou algo intrínseco à realidade laboral da maior parte da população nacional. Assim, segundo o colegiado, a prova é adequada, necessária e proporcional e não viola o sigilo telemático e de comunicações garantido na Constituição Federal, sendo consubstancial a sua utilização em demandas que versem sobre a realização de jornada extraordinária.

A ação trabalhista que seu ensejo à brilhante decisão foi ajuizada em 2019 por um bancário que laborou na Banco Santander por 33 anos e pedia o pagamento de horas extras. Em sua defesa, o banco afirmou que empregado ocupava cargo de gerência e, portanto, não estava sujeito ao controle de jornada, sendo a prova digital de geolocalização imprescindível para demonstrar se de fato estava ao menos nas dependências da empresa.

A necessidade de sua utilização traz um arcabouço probatório mais robusto ao processo, visto que, conforme bem pontuado pelo Ministro Douglas Alencar Rodrigues, “a prova testemunhal sempre foi onerosa e permeável a mentiras e falsidade e a tecnologia auxilia a resolver conflitos e atingir a verdade”.

Ainda em primeiro grau, o juiz determinou que ele informasse o número de seu telefone e a identificação do aparelho (IMEI) para oficiar as operadoras de telefonia e, caso não o fizesse, seria aplicada a pena de confissão. O Tribunal Regional, por sua vez, cassou a decisão, mas, por maioria, o TST decidiu pela validade da utilização dos dados de geolocalização obtidos.

Em decisão, o Ministro reforçou a necessidade de “desenvolver sistemas e treinar magistrados no uso de tecnologias essenciais para a edificação de uma sociedade que cumpra a promessa constitucional de ser mais justa, para depois censurar a produção dessas mesmas provas, seria uma enorme incoerência”

O objetivo da utilização dessa prova no processo do trabalho apenas traz benefícios para demandas que tendem a ser exaustiva, ante a necessidade de, muitas vezes, ouvir-se as partes e testemunhas que trazem depoimentos conflitantes, recheados de pessoalidade e que, diante disso, apenas distanciam as decisões do objetivo real de um processo: a busca pela verdade real do fato.


Por: Pedro Rodrigues

TCU entende que o agente de contratação possui autonomia para desconsiderar lances inexequíveis durante disputa de preços em licitações

No último dia 15/05/2024, o Plenário do Tribunal de Contas da União proferiu o acórdão nº 948/2024 reconhecendo que em caso de identificação, de apresentação de lance manifestamente inexequível capaz de comprometer, restringir ou frustrar a competitividade do certame licitatório, pode o agente de contratação realizar, durante a disputa, a exclusão da oferta, a fim de manter a verdadeira disputa e na busca da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.

O Acórdão possui como principal fundamento o artigo 21, §4º, da Instrução Normativa Seges/ME 73/2022, que dispõe:

Art. 21.  Iniciada a fase competitiva, observado o modo de disputa adotado no edital, nos termos do disposto no art. 22, os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico.

(…)

§ 4º O agente de contratação ou a comissão de contratação, quando o substituir, poderá, durante a disputa, como medida excepcional, excluir a proposta ou o lance que possa comprometer, restringir ou frustrar o caráter competitivo do processo licitatório, mediante comunicação eletrônica automática via sistema.

(Grifos acrescidos)

Por um lado, o reconhecimento é um excelente precedente para as empresas que precisam enfrentar a simulada concorrência de licitantes em sessões que possuem como finalidade tão somente “mergulhar” o preço da disputa e prejudicar a verdadeira concorrência. Todavia, analisando-se por outra ótica, deve-se ter cautela nesse poder conferido ao agente de contratação, pois em certas ocasiões pode existir margem para desconsiderações de ofertas que, apesar de serem à primeira vista inexequíveis, na prática, são plenamente exequíveis, como acontece em licitações que envolvem o uso de tecnologias na prestação do serviço.

Portanto, é importante estar atento a esta segunda hipótese, devendo o licitante estar sempre ciente da redação do artigo 59, §2º, da Lei 14.133/2021[1], que impõe a condição de o administrador público realizar diligências para aferir a exequibilidade da proposta, o que induz que a discricionariedade conferida pelo TCU somente ocorra em casos de relevante percepção, sob pena de prejudicar o acesso à melhor proposta por parte do ente público contratante.


[1] Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que:

(…)

§ 2º A Administração poderá realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir dos licitantes que ela seja demonstrada, conforme disposto no inciso IV do caput deste artigo

STJ decide: Atraso em atendimento bancário não gera dano moral presumido

No último dia 24/04/2024, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de julgamento de recursos repetitivos, decidiu que o dano moral em caso de simples atraso no atendimento de serviços bancários não pode ser presumido.

A controvérsia advém de um questionamento feito pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR, através do qual foi suscitada a dúvida quanto a incidência de dano moral presumido quando da ocorrência de atraso/espera excessiva no atendimento bancário.

Em sede de julgamento, a corte especial fixou entendimento de que, para a configuração de dano in re ipsa, ou seja, presumido, seria necessária a constatação de abuso de direito na prestação de serviços bancários, devendo ser feita com base nas circunstâncias concretas do caso, não bastando a mera alegação de descumprimento de prazos previstos em legislações municipais.

O TJGO, que suscitou a controvérsia, baseou sua decisão no argumento de que haveria “perda de tempo útil do consumidor”, o que, justificaria a presunção de dano moral.

Por sua vez, o STJ divergiu do entendimento vergastado, afirmando que a mera invocação de legislação municipal que estabelece tempo máximo de espera em fila de banco não é suficiente para ensejar o direito à indenização; o qual apenas se verificará se a espera por atendimento na fila de banco for excessiva ou associada a outros constrangimentos.

Segundo o ministro Ricardo Villas Bôas, ainda que as leis municipais estabeleçam tempos máximos de espera em filas de banco, o desrespeito a esses prazos configura, em geral, uma infração administrativa sujeita a multas e outras penalidades, não sendo possível a presunção da ocorrência de dano moral respaldada apenas no descumprimento de tais prazos.

Para a configuração da responsabilidade civil é necessário que sejam verificadas a presença do nexo causal e do dano efetivo, e, nesse caso, a perpetuação do entendimento de dano presumido pela simples espera em atendimento bancário importaria expressa afronta à legislação pátria.

Ademais, a defesa do entendimento de que em tal hipótese há presunção automática da ocorrência do abalo moral, alavancaria a judicialização excessiva por parte dos consumidores, bem como fomentaria uma indústria de enriquecimento fundada em situações corriqueiras do dia a dia. Diante disso, na prática, tendo em vista o tema ter sido submetido ao regramento dos repetitivos, os recursos que versem sobre a tese firmada, declarados prejudicados ao tempo da admissão do incidente, deverão ser julgados em conformidade com a tese firmada, de modo que a procedência do pleito indenizatório demandará a comprovação da efetiva ocorrência do dano moral alegado.

Justiça Federal da 1ª Região determina a suspensão de resolução do Conselho Federal de Enfermagem que autorizava a atuação de enfermeiros em cirurgias plástica, vascular e dermatológica

Em atendimento a pedido judicial da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), a Justiça Federal da 1ª região suspendeu resolução nº 529/2016 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) que autorizava a atuação de enfermeiros em cirurgias plástica, vascular e dermatológicas.
Ao julgar o processo nº 0020776-45.2017.4.01.3400, o magistrado entendeu que a resolução elaborada pelo COFEN viola a Lei 12.842/2013, considerando que a referida resolução busca regulamentar a realização de procedimento estéticos invasivos, e o artigo 4º, inciso III da referida lei, deixa claro que os referidos atos são privativos de profissionais médicos, nos seguintes termos:
Art. 4º São atividades privativas do médico:
III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias;

Convém ainda mencionar que a Lei nº 7.498/1986, em seu artigo 11 estabelece todas as atividades que podem ser desempenhadas por profissionais da enfermagem, em cujo rol inexiste menção de autorização para realização de procedimentos estéticos invasivos.
Nesse sentido, no entender da SBD, ratificado pela sentença em comento, a resolução proferida pelo COFEN, além de ser norma imprópria para regulação dos efeitos das leis federais de nº 7.498/1986 e 12.842/2013, vai de encontro ao que tais leis preconizam, sendo certo que a eventual ampliação dos procedimentos passíveis de realização por enfermeiros só pode ocorrer através do adequado procedimento legislativo, precedido do necessário debate com a sociedade brasileira e, sobretudo, com as classes profissionais envolvidas.
Ressalta-se que a decisão em questão ainda não é definitiva, uma vez que se encontra pendente de julgamento o recurso de apelação interposto pelo COFEN.
Contudo, trata-se de importante discussão que deverá ser acompanhada pelos profissionais de saúde a fim de se adequarem ao que for definido após os desdobramentos da ação.
Importante salientar, por fim, que atualmente vigora a suspensão da resolução 529/2016 do COFEN, conforme expressamente determinado pela já citada decisão judicial proferida pela Justiça Federal da 1ª região.

Auxílio por Incapacidade: ação judicial não suspende o contrato de trabalho

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), no julgamento do Recurso de Revista 1000460-75.2021.5.02.0511, manteve a reintegração e a condenação de uma empresa ao pagamento dos salários do período entre a alta previdenciária e o retorno ao serviço de uma auxiliar de serviços gerais, sob a alegação de que “cabia ao empregador acompanhar o período em que a auxiliar recebera o benefício e a ciência inequívoca de sua cessação para que ela pudesse retornar ao trabalho, ainda que readaptada para desenvolver tarefas compatíveis com sua condição de saúde.”.

Em sua defesa, a empresa alegou que o contrato estava suspenso por causa do ingresso de ação na Justiça Federal pela empregada, ainda não julgada, para restabelecer o benefício previdenciário. O juiz de primeiro grau, da Vara do Trabalho de Itapevi, entendeu que “a ação movida na Justiça Federal não suspende o contrato que devia ser retomado a partir da alta médica.”.

O TST mantém forte jurisprudência de que a empresa é responsável pelo pagamento dos salários durante o limbo previdenciário, que se configura quando o trabalhador recebe alta médica do INSS com a cessação do auxílio por incapacidade e a empresa obsta o retorno desse colaborador ao serviço, muitas vezes pelo resultado do ASO inapto. Ou seja, independentemente de haver ou não aptidão para o trabalho, após a alta do INSS, cessa a suspensão do contrato e a empresa volta a ser responsável pelos salários, cabendo-lhe demonstrar que foi o empregado quem se recusou a retornar às atividades ou abandonou o emprego diante das convocações feitas pela empresa.

O acompanhamento dos afastamentos por incapacidade é fundamental entre as áreas de Recursos Humanos, Saúde Ocupacional e Segurança do Trabalho e do corpo Jurídico sob a finalidade de evitar um passivo trabalhista oriundo do limbo previdenciário. Requerer a prorrogação do benefício nos 15 dias anteriores à cessação e readaptar o empregado de função de acordo com suas limitações, realizando uma Gestão de Afastados, são algumas soluções para evitar o limbo.

Importante ter em mente que recurso administrativo perante INSS ou ação previdenciária na Justiça Federal para concessão ou restabelecimento de auxílio por incapacidade não suspendem o contrato de trabalho. É preciso acompanhar eventual deferimento e cessação dos benefícios previdenciários.

Estelionato Emocional e a possibilidade de reparação civil

Em recente julgado no Distrito Federal, a 2ª Turma Cível do TJDFT, pelo Acórdão de número 1364563, trouxe a seguinte definição acerca do tema: “O estelionato sentimental ocorre no caso em que uma das partes da relação abusa da confiança e da afeição do parceiro amoroso com o propósito de obter vantagens patrimoniais”.

Desta feita, a conduta do estelionato sentimental traduz-se quando um dos indivíduos envolvido no relacionamento, se utiliza da confiança e do ‘falso’ vínculo afetivo que permeia a relação, para, em verdade, abusar do imaginário da vítima, para aplicar golpes.

O estelionatário se utiliza da relação de confiança criada para obter vantagem patrimonial da vítima, violando a boa-fé objetiva. A vítima, por acreditar no afeto e no relacionamento construído, cede às investidas e entrega ao estelionatário valores em troca de uma futura promessa ou de um compromisso mais sério, como o casamento.

Defendendo esse entendimento, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG julgou pela modificação da sentença proferida pela 6ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora para reconhecer a ocorrência do estelionato sentimental e fixar indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00, além de R$ 2.520,00 por danos materiais.

No caso, a parceira alegou que, na constância do relacionamento, o parceiro havia retirado dinheiro de sua carteira, subtraído um cartão de crédito e realizado seis saques bancários, totalizando R$ 3.520,00, sendo devolvido apenas R$ 1.000,00.

A relatora destacou que o estelionato sentimental se concretiza quando uma das partes pretende obter, para si ou outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, incentivando ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, ressaltando a Desembargadora: “Nessa ordem de ideias, o parceiro, aproveitando-se da confiança amorosa entre o casal, valeu-se de meios ilícitos para obter vantagem pecuniária, o que é causa suficiente para configurar o dano moral”.

Relevante ressaltar que, para além dos reflexos civis, tal modalidade criminosa pode ser enquadrada no artigo 171 do Código Penal, tratando-se de uma nova espécie de estelionato, eis que o agente “se utiliza de meio ardil para obter vantagem econômica ilícita da companheira, aproveitando-se da relação afetuosa, configurando o delito de estelionato.” (Acórdão 1141866 da 1a Turma Criminal).