STJ fixa prazo para emissora guardar registros televisivos em arquivo

No julgamento do REsp 1.602.692, ocorrido em 03/10/2023, a 3ª turma do STJ fixou que emissora de televisão deve guardar registros televisivos em arquivo, com vistas a fomentar eventual ação de responsabilidade civil, até prescrição ou decadência do direito correspondente aos atos nele consignados.

O colegiado ressaltou, ainda, que nos casos que a lei não tenha fixado um prazo específico deve incidir, por analogia, a disposição contida no art. 1.194, do CC.

No caso concreto, o Superior Tribunal de Justiça guiando-se pelo entendimento supracitado, negou seguimento ao recurso especial da emissora, mantendo incólume as decisões proferidas em instâncias inferiores, que determinaram a entrega de mídia referente  a reportagem exibida em novembro de 2010.

Em seus argumentos meritórios, a emissora alegou que, no momento da solicitação da entrega, o arquivo que continha a reportagem havia sido destruído e que inexistira obrigação legal  de apresentar o arquivo requerido, nos termos do artigo 71, parágrafo 3º do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/1962), que prevê que o material deve ser guardado por apenas 20 dias.

No entanto, em que pese os argumentos trazidos em sede recursal, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva observou que essa regra teria a finalidade única de assegurar a aplicação das penalidades cabíveis às emissoras nos âmbitos administrativo e criminal, não tendo nenhuma relação com eventual transgressão ao direito de terceiros.

Neste sentido, em razão da inexistência de norma acerca do prazo para manutenção e guarda dos materiais, entende o Superior Tribunal de Justiça que se deve, por analogia, aplicar o 1.194 do Código Civil, segundo o qual o empresário e a sociedade empresária são obrigados a conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondência e mais papéis concernentes à sua atividade, enquanto não ocorrer prescrição ou decadência no tocante aos atos neles consignados.

Assim, de acordo com a recente decisão, ainda transitada em julgado, devem os canais brasileiros de televisão manter em arquivo todo seu conteúdo exibido pelo prazo mínimo de três anos, considerando ser este o prazo prescricional indicado pelo Código Civil no que tange à reparação por responsabilidade civil (Art. 206, § 3º, V), sendo recomendável, acaso a decisão se torne definitiva, e conforme o caso, uma revisão dos procedimentos internos das emissoras para manutenção das mídias em seus arquivos pelo prazo mínimo de três anos.

O julgamento pode ser assistido através do link: https://www.youtube.com/watch?v=7CcMHduR_P4 , no minuto 52:00 ao 54:38min.

União e estados-membro são obrigados a fornecer medicamento à base de Canabidiol (CDB) para o tratamento de pessoas com TEA e Epilepsia

Em recente decisão proferida no julgamento do Recurso Especial nº 2006118, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que União e Estados-membros devem fornecer medicamento à base de canabidiol (CDB) para o tratamento de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) e epilepsia.

Trata de uma Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Federal contra União e o Estado de Pernambuco, pleiteando o fornecimento de medicamento à base de canabidiol, necessário ao tratamento da síndrome de West, síndrome de Beckwith-Wiedmann e Transtorno do Espectro Autista.

O pedido do MPF fundamenta-se no cenário em que o paciente já esgotou todos os tratamentos disponíveis no território nacional, todos sendo ineficazes para o caso clínico. Portanto, o medicamento pretendido, ou seja, o CDB ainda que não tenha registo na ANVISA e não esteja contemplado na lista daqueles que são fornecidos pelo SUS, foi prescrito pelo neuropediatra da criança como um tratamento alternativo a fim de garantir uma melhora na qualidade de vida da paciente.  

A ação foi inicialmente julgada procedente, tendo a decisão sido mantida em sede de segundo grau pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Entretanto, a União e o Estado de Pernambuco interpuseram recurso especial alegando, dentre outros fatores, a impossibilidade de fornecimento do medicamento visto que este não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), bem como, não integra o protocolo dos medicamentos ofertados pelo SUS, além de atuar como um tratamento experimental.

Em decisão, a Segunda Turma negou provimento ao recurso especial da União e do Estado de Pernambuco que buscava reverter a decisão que condenou ambos os réus em sede de primeiro grau, e posteriormente, em grau recursal, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Segundo o relator, o Ministro Francisco Leão, é dever do Estado fornecer medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, conforme o tema 1.161 do Supremo Tribunal Federal.

Ademais, a discussão quanto a eventual ineficácia dos tratamentos tradicionais já experimentados pela paciente, bem como, da excepcionalidade da situação e de todo o arcabouço probatório dos autos, tais como laudos e prescrições médicas esbarraria na Súmula nº 7 do STJ.

Por: Maria Laura Vasconcelos

A mora e o inadimplemento contratual ante a situação de pandemia.

A pandemia instalada pelo Covid-19 tem preocupado credores e devedores de maneira geral, uma vez que as necessárias regras de distanciamento social têm contribuído para a impossibilidade imediata em solver dívidas, contraídas em momento anterior ao período citado.

Com os atrasos no pagamento das obrigações, ou até o total inadimplemento, ocorre uma crise nos contratos, a qual precisa ser solucionada da melhor maneira possível, assegurando-se a menor onerosidade entre as partes.

Por meio da celebração de contratos, que constitui a maior fonte de obrigações na seara cível, existe a regra geral de que quando um contrato é formalizado, mediante o livre consentimento, se faz necessário o cumprimento do que foi estabelecido, nos exatos prazos termos e condições em que foram pactuados.

O que não se pode deixar de considerar, contudo, é que no curso do tempo que vigora um contrato podem ocorrer situações que dificultem ou impossibilitem o seu cumprimento, seja por responsabilidade do devedor, do credor ou por razão alheia que atinja a coletividade, a exemplo do estado de emergência vivenciado mundialmente.

Sobre estas situações alheias à vontade das partes contratantes, o Código Civil intitula, no artigo 393, o caso fortuito ou força maior, situação com potencial a inaugurar a circunstância de mora (atraso) ou inadimplemento contratual, trazendo forte impactos nas relações contratuais.

Os impactos decorrentes da pandemia podem se configurar como situação imprevisível que devem ser taxados como decorrentes de caso fortuito ou força maior. Se o devedor atrasa ou deixa de cumprir com a parcela de um contrato após a insurgência de tal evento pandêmico, há a possibilidade de suscitar a regra elencada no Código Civil para excluir o elemento culpa sobre o inadimplemento, logo, o devedor ficaria temporariamente isento de ser inserido nos cadastros de inadimplência ou protesto de títulos. Os encargos de mora, a depender da negociação caso a caso, também podem ser dispensados.

Importante se faz dizer que é preciso um adequado suporte jurídico para auxiliar a parte interessada a identificar se a situação que ocasiona a mora ou inadimplemento, de fato, tem ou não o nexo causal advindo da pandemia instalada. Para que não prejudique em demasiado o credor que não conseguiu receber o que lhe era devido e nem beneficie injustificadamente o devedor que, eventualmente, não tenha sofrido abalo econômico em seus recebimentos.

Do contrário, o devedor poderá sofrer todos os efeitos decorrentes do não cumprimento das suas obrigações contratuais e a aplicação da legislação civil específica, com todos os acréscimos legais aplicáveis ao período de inadimplência, além das sanções judiciais de constrição de bens.


Por Camila Nascimento, advogada em Direito Civil, com enfoque em Direito contratual e negocial.