Por: Adayanne Sarah
O STJ firmou o entendimento de que, em determinadas situações, um herdeiro que reside sozinho no imóvel deixado pelos pais, durante todo o processo de inventário, pode requerer usucapião e se tornar o único proprietário legal do bem.
A tese foi firmada no Recurso Especial nº 1.631.859/SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, ocasião em que a Terceira Turma reconheceu que o exercício de posse exclusiva, contínua e pacífica por um dos herdeiros pode gerar o direito à usucapião, ainda que o imóvel permaneça formalmente vinculado ao espólio ou em condomínio hereditário.
De acordo com o voto da Corte, o herdeiro que se mantém no imóvel, arcando individualmente com os tributos, encargos, conservação e benfeitorias, e sem qualquer oposição dos demais sucessores, comporta-se como verdadeiro proprietário, sendo legítimo o pleito de aquisição originária do bem.
O caso analisado envolvia um herdeiro que, após o falecimento dos pais, residiu sozinho no imóvel por mais de 15 anos, cuidando da manutenção e pagando integralmente as despesas. Os demais herdeiros permaneceram inertes, não manifestando interesse na divisão do uso do bem. Diante desse contexto, o possuidor ingressou com ação de usucapião extraordinária, buscando o reconhecimento judicial da posse qualificada e definitiva sobre o imóvel.
O STJ reformou a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia negado o pedido, e fixou a seguinte compreensão:
“É possível que um herdeiro adquira o imóvel por usucapião, ainda que se trate de bem integrante da herança, desde que comprovados todos os requisitos legais, notadamente o exercício de posse exclusiva, ininterrupta e com animus domini.”
Em outras palavras, o fato de o bem compor o acervo hereditário não impede, por si só, a aquisição da propriedade por usucapião. O elemento determinante é o comportamento do herdeiro possuidor, que deve agir como único dono, e a inércia dos demais sucessores, que deixam de exercer qualquer ato possessório ou reivindicatório.
Assim, o STJ reconheceu que a posse exclusiva, prolongada e com intenção inequívoca de domínio (animus domini) pode ensejar a transferência originária da propriedade, rompendo o condomínio hereditário e atribuindo ao herdeiro possuidor o direito integral sobre o bem.
Importante ressaltar que a decisão não implica transferência automática da propriedade, sendo indispensável o ajuizamento de ação própria de usucapião, com a devida comprovação de todos os requisitos legais.
Esse entendimento tem grande relevância prática nas disputas familiares envolvendo imóveis herdados, pois reforça que a omissão dos demais herdeiros pode levar à perda do direito sobre o bem. Da mesma forma, demonstra a importância de atuar preventivamente na regularização patrimonial e sucessória. Em síntese, a decisão da Terceira Turma do STJ reafirma o princípio da função social da posse e prestigia a segurança jurídica, reconhecendo que o exercício prolongado, exclusivo e responsável da posse pode gerar, com o tempo, a aquisição plena da propriedade, mesmo em contexto hereditário.