Em recente decisão, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu a possibilidade de constituição da filiação socioafetiva entre avós e netos maiores de idade. Tal entendimento representa um avanço notório na interpretação dos laços familiares, ao superar a relação meramente biológica e reconhecer a importância dos vínculos afetivos e de convivência que se consolidam ao longo da vida.
Observa-se, atualmente, que as configurações familiares são cada vez mais diversas. Frequentemente, os laços que de fato moldam a vida dos indivíduos não se restringem à genética, mas fundamentam-se na convivência, no afeto e no apoio mútuo. Nesse contexto, o reconhecimento da filiação socioafetiva reflete a realidade social contemporânea, em que o amor e a dedicação têm o mesmo valor de uma relação biológica. Para o colegiado, a declaração de filiação nessas hipóteses – com efeitos diretos no registro civil do filho socioafetivo – não encontra qualquer óbice legal.
A análise do caso evidenciou que a relação construída por meio do convívio diário, marcada pelo cuidado, suporte emocional e participação ativa na formação do neto, pode se consolidar como um verdadeiro vínculo familiar. Esse posicionamento permite que relações que transcendem o laço sanguíneo sejam valorizadas e protegidas, reafirmando que o Direito de Família deve acompanhar a evolução das relações interpessoais.
Do ponto de vista prático, a decisão pode gerar importantes impactos na vida de diversas famílias. Em muitos casos, os avós desempenham papel crucial no desenvolvimento e na educação dos netos, especialmente em situações em que a presença dos pais é limitada ou ausente. Dessa forma, o reconhecimento legal desses vínculos não apenas confere segurança jurídica às relações afetivas, mas também facilita a condução de processos relacionados à guarda, visitas e até mesmo questões sucessórias. Ademais, a discussão do tema contribui para a redução de conflitos familiares e a promoção de um ambiente mais justo e acolhedor para todos os envolvidos.
É importante destacar, entretanto, que o reconhecimento da filiação socioafetiva não se efetiva de forma automática. É imprescindível comprovar, de maneira robusta, a existência dos laços afetivos e a efetiva convivência que caracterizem essa relação. Tal exigência reforça a necessidade de uma análise criteriosa por parte do Judiciário, que deverá avaliar cada caso de acordo com suas particularidades, evitando a banalização do instituto.
Durante o julgamento, a ministra Nancy Andrighi, relatora no STJ, enfatizou a distinção entre os termos “adoção” e “filiação”. Segundo a relatora, o artigo 42, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe a adoção de netos pelos avós, enquanto a filiação socioafetiva – na qual não ocorre a destituição do poder familiar decorrente de vínculo biológico anterior – possibilita o reconhecimento, inclusive, de filiação de maiores de 18 anos. Ainda, ressaltou a possibilidade de reconhecimento mesmo quando o filho já tiver a paternidade ou a maternidade regularmente registrada no assento de nascimento, considerando a viabilidade da multiparentalidade, conforme estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 622 da repercussão geral.
Dessa forma, a decisão evidencia o aprimoramento do sistema judiciário ao acompanhar as transformações sociais contemporâneas, acolhendo os diversos modelos de família presentes em nossa sociedade por meio dos instrumentos jurídicos adequados.