O instituto da Recuperação Judicial é uma das hipóteses previstas pela Lei n° 11.101 de 2005, a Lei de Falências, como medida de superação do estado de insolvência, na tentativa de soerguimento durante grave crise econômica empresarial.
Após a realização do pedido de recuperação por parte da empresa, faz-se necessária a homologação do Plano de Recuperação, se aprovado em Assembleia Geral de Credores, pelo juízo competente. Tal homologação, obviamente, requisita uma série de condições e documentos, sendo um deles, a Certidão Negativa de Débitos Tributários (CND), prevista no artigo 57 da lei acima referida.
A CND, contudo, denota justamente a falta de dívidas com Fisco brasileiro (ou a sua negociação com a Fazenda Pública), sendo, por muitas vezes, o passivo tributário do devedor que pede recuperação judicial, uma das razões de sua crise.
Inobstante, como uma empresa, que reconhece seu estado de crise generalizada, ao ponto de recorrer ao processo recuperacional em juízo, deve ser obrigada a apresentar uma certidão comprovando que não se encontra em débito com o Estado, o Município, ou, até mesmo com a União?
Não se pode deixar de observar a antinomia, evidente entre a norma do artigo 57 e o princípio preservação da empresa, cujo processo recuperacional se baseia por inteiro. Há incompatibilidade da referida exigência com a relevância social da empresa, assim como o princípio que objetiva sua preservação, além do fato de que tais débitos sequer se submetem à recuperação judicial, sendo constituída, indiretamente, cobrança indevida de tributos, contrária à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), devendo bastar apenas a comprovação de acordos de parcelamento tributários para a homologação.
Sendo o objetivo da recuperanda seu soerguimento, é lógico inferir que, certamente, haverá débitos tributários em seu histórico, mesmo após o advento da Lei n° 13.988/2020, que possibilitou à União realizar a concessão de descontos nas multas, nos juros de mora e nos encargos legais relativos a créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, regulamentada pela Portaria PGPN/ME n° 2382/2021.
Neste sentido, algumas decisões vêm sendo proferidas nos tribunais pátrios, após, inclusive, a recente decisão do Ministro Dias Toffoli, do STF, que tornou sem efeito liminar do ministro Luiz Fux, que exigia a CND para homologação dos planos de recuperação judicial.
Um exemplo relevante ocorreu em Pernambuco, na Comarca de Recife. Defende o Juiz Nehemias de Moura Tenório, na sentença de homologação que: “Nesse sentido a construção jurisprudencial assentada nas decisões do STJ e nos Estados é pacífica na prevalência da preservação das empresas, espírito orientador da lei de recuperação judicial, por motivo óbvio, já que na maioria das vezes o passivo tributário das empresas em processo de recuperação judicial é superior a suas situações econômico-financeira, de modo que a exigência das certidões seria impedimento a concessão da recuperação judicial, no que contraria o objetivo norteador.” (Recuperação Judicial do Monte Hotéis S/A – 0055976-96.2016.8.17.2001, Seção A da 21ª Vara Cível).
Ou seja, é viável a homologação do Plano de Recuperação Judicial aprovado em Assembleia, sem a apresentação das CND’S respectivas.
Saliente-se, obviamente, que não é razoável o calote ao Fisco. Mas, deve-se reforçar a questão de que a exigência da CND é incoerente, até porque, como já exposto, o crédito tributário não é exigível no instituto da Recuperação Judicial, podendo o Fisco ajuizar a sua Execução Fiscal a fim de receber o que lhe é devido.
Prezemos, portanto, pela função social da empresa, bem como o fundamento de soerguê-la como princípio fundamental do estimado instituto da Recuperação Judicial.
Por: André Garcia Filho