Em recente decisão, proferida no julgamento do Recurso Especial nº: 1944228 / SP, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acalorou o debate quanto ao cabimento de pensão alimentícia em favor de pets, tendo adotado entendimento que, em análise inicial, parece destoar da atual realidade social, que se afigura com a existência de formações familiares distintas, entre elas, a entidade familiar que se reconhece como formada por humanos e animais de estimação.
Na hipótese, a parte demandante ajuizou a demanda, sem fazer, ressalte-se, qualquer menção ao termo ou ideia de “pensão alimentícia”, e requerendo, passados cerca de cinco anos da dissolução da união estável, fosse o ex companheiro compelido a participar igualmente no custeio dos gastos com os animais adquiridos na constância da união, bem assim a reembolsá-la da metade dos gastos que incorreu desde a separação.
A obrigação foi reconhecida na origem, instância na qual, após o entendimento de aplicação da prescrição decenal, determinou-se ao ex companheiro, o reembolso das despesas havidas pela ex companheira e a obrigação de custeio de metade das despesas com os animais, até morte ou alienação destes.
Devolvida a questão ao STJ, houve reforma do julgado, tendo prevalecido o voto da lavra do ministro Marco Aurélio Belizze, que defendeu serem as despesas com o custeio da subsistência dos animais obrigações inerentes à condição de dono, bem como que o fato da aquisição do pet ter ocorrido na constância da união, não necessariamente configuraria vínculo entre os companheiros ou entre estes e o animal, sendo possível definir-se a titularidade do animal como melhor lhes aprouver.
Ocorre que, ao analisar a referida decisão, alguns defendem que o STJ teria sinalizado o entendimento de que a fixação de alimentos em favor de pets é descabida, todavia, salvo melhor juízo, não é este o direcionamento que se obtém da adequada análise dos autos.
Conforme pontuado, a demanda submetida ao STJ foi ajuizada longo tempo após a dissolução da união estável, sem que tenha sido precedida de acordo de alimentos em favor dos animais ou de qualquer requerimento da ex companheira neste sentido. Em verdade, sequer houve menção ao termo “alimentos” quando do ajuizamento da ação.
Inclusive, inicialmente a demandante aparenta ter dotado sua ação de conteúdo exclusivamente patrimonial. Trata-se, pois, de um caso isolado e que não necessariamente serve de parâmetro ou norte para demandas que envolvem o tema sob análise.
Fato é que a existência da “família multiespécie” é uma realidade socialmente reconhecida, que já ensejou até mesmo a propositura de Projeto de Lei (PL 179/23), ainda em tramitação e que visa regulamentar o conceito de família multiespécie como aquela formada pelo núcleo familiar humano em convivência compartilhada com seus animais.
Por sua vez, tal realidade vem sendo correta e fortemente reconhecida pela jurisprudência pátria e, neste cenário, o número de demandas desta natureza levadas ao judiciário é cada vez maior. Na falta (que aparentemente será suprida em breve) de uma lei específica, os magistrados têm aplicado aos animais, em interpretação por analogia, as normas jurídicas atinentes a alimentos, visitas e guarda compartilhada.
Não há, pois, como se concluir que esta é uma questão que será decidida pelos operadores do direito em dissonância da realidade social que os cerca. A sociedade anseia por uma resolução que se adeque ao contexto atual, que não só reconheça a existência da família multiespécie, mas estabeleça os parâmetros que devem ser considerados para a justa solução dos litígios dessa natureza.
É um tema que certamente ainda renderá boas discussões, a exemplo da que já se firmou em demanda distribuída perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) no último dia 09 de fevereiro, na qual juízes de varas cíveis e de família discutem sobre a competência para processar e julgar a execução de acordo descumprido que fixou pensão em favor dos animais de estimação do ex casal. As teses contrárias defendem, de um lado, que o animal é um membro da família e que, portanto, sob o conceito da família multiespécie, atrai a competência da vara de família. De outro lado, há a defesa de que discussão se funda em relação civil e de natureza patrimonial, que avocaria o processo para uma das varas cíveis, frente a qual, inclusive, a ação foi originariamente distribuída. A questão será dirimida em breve, quando do julgamento, pelo TJSC, do conflito de competência suscitado pelos magistrados envolvidos.