No julgamento do processo de nº 5684858.78.2019.8.09.0051, o juízo da 10ª Vara Cível de Goiânia/GO considerou ilegal a exigência de pedido mínimo em restaurantes cadastrados na plataforma iFood. A decisão, proferida pela juíza Elaine Christina Alencastro Veiga Araujo, determinou a eliminação progressiva dessa prática, além de condenar a empresa ao pagamento de R$ 5,4 milhões por dano moral coletivo. O montante será revertido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.
No caso em tela, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP/GO) instaurou inquérito civil para investigar a conduta da plataforma, argumentando que a imposição de um valor mínimo de pedido constituiria prática abusiva. Segundo o órgão, tal exigência fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC), pois impõe desvantagem excessiva ao consumidor e restringe sua liberdade de escolha.
Antes de ingressar com a ação civil pública, o MP/GO, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado de Goiás e o Ministério Público Federal (MPF), expediu recomendação para que a plataforma eliminasse a exigência. Diante da não adesão à orientação, o caso foi levado ao Judiciário.
Em sua defesa, o iFood sustentou que atua apenas como intermediário entre consumidores e estabelecimentos comerciais, deixando a critério dos restaurantes a decisão sobre a existência de um pedido mínimo. Argumentou ainda que a prática visa garantir a viabilidade econômica do serviço e que a plataforma oferece diversas opções de restaurantes que não exigem um valor mínimo, assegurando a liberdade de escolha ao consumidor.
A empresa também alegou que não há comprovação de dano moral coletivo, uma vez que os consumidores não são obrigados a utilizar a plataforma e possuem alternativas para realizar suas compras.
Ao analisar o caso, a magistrada afastou os argumentos da empresa, destacando a legitimidade do MP/GO para atuar na defesa de interesses coletivos. Segundo a juíza, o iFood integra a cadeia de fornecimento de serviços ao estabelecer as regras aplicadas às compras realizadas por meio da plataforma. Dessa forma, mesmo que a definição do pedido mínimo seja feita pelos restaurantes, a empresa responde solidariamente pelos efeitos dessa prática.
A decisão baseou-se no artigo 39, inciso I, do CDC, que proíbe condicionar a venda de um produto ou serviço à aquisição de outro sem justa causa. A juíza entendeu que a imposição de um valor mínimo induz o consumidor a comprar mais do que deseja, caracterizando venda casada. Além disso, destacou que a empresa não apresentou dados concretos que justificassem a exigência, deixando de fornecer informações sobre sua política de precificação, o que reforçou a presunção de irregularidade na prática.
Com base nesses elementos, foi determinado que o iFood remova gradualmente a exigência de pedido mínimo, seguindo um cronograma escalonado de redução a cada seis meses. Inicialmente, o valor mínimo deverá ser reduzido para R$ 30,00, posteriormente para R$ 20,00, R$ 10,00 e, finalmente, eliminado em até 18 meses. O descumprimento da decisão sujeitará a empresa a multa de R$ 1 milhão por etapa não cumprida.
Ademais, a condenação ao pagamento de R$ 5,4 milhões por dano moral coletivo foi fundamentada no impacto da prática sobre milhões de consumidores que utilizam regularmente a plataforma. O valor foi estabelecido com base no número de estabelecimentos cadastrados no iFood e na média dos valores mínimos exigidos para pedidos. A decisão judicial reflete a preocupação do judiciário com a garantia de transparência nas práticas comerciais, sob o argumento de ser pertinente coibir a imposição de barreiras ao acesso a serviços. A condenação por dano moral coletivo, por sua vez, enfatiza o entendimento de aplicação da legislação consumerista à relação em discussão, bem como da existência de impacto da conduta sobre um grande número de consumidores, o que reforça a necessidade de maior atenção ao tema sobretudo pelas plataformas digitais.
Por: Mayara Morais